“Mães de muitas cidades”

Para algumas gerações é um lugar eternizado por canções populares ou presente numa recordação de imagens de um pôr do sol sobre as águas do rio Paraguai estampadas em revistas ou na TV. Porém, conhecer um pouco mais da capital paraguaia “Asunción” conecta-nos às lições do passado que possivelmente sejam aplicáveis ao futuro.

Particularmente até hoje, estive na capital do Paraguai por duas vezes, em 2004 e em 2010. Nesta última presenciei uma atmosfera de certa forma jubilosa, apesar de estar fazendo um frio de zero graus Celsius no mês de julho. Nada que um desempenho positivo numa Copa do Mundo não pudesse contribuir para isso. O terminal rodoviário de Assunção estava repleto das camisas “albirojas”, pois a seleção de futebol do país dos Guaranís havia há poucos dias alcançado uma posição entre os oito melhores do planeta, a melhor em sua história. 

O gosto pelo futebol, no entanto, expressa apenas uma parte da identidade cultural deste país repleto de histórias que vão das tragédias às glórias, marcadamente pela sua posição geográfica na América do Sul.  No “coração do continente”, Assunção foi a primeira cidade construída pelo Reino da Espanha, há quase 500 anos. Lá chegavam europeus que adentravam o rio da Prata e que seguiam sentido aos Andes para exploração de minérios. De Assunção saíram diversas expedições que resultaram na fundação de várias cidades ao sul ou ao norte deste reino, por isso carrega-lhe o título de “Mãe das Cidades”. Dentre estas, algumas muito conhecidas e que hoje são megalópoles como a capital argentina Buenos Aires ou que são metrópoles como Santa Cruz de la Sierra na Bolívia. Outras que desapareceram como “Ciudad Real del Guayra”, a primeira dentre outras tentativas de povoar a Província do Guairá, um território que abarcava onde hoje se situa a maior parte do Estado do Paraná e, inclusive, Mandaguari. 

Por circunstâncias da história, o Paraguai declarou independência logo após a Argentina. E não houve resistência por parte dos espanhóis. Não havia mais como vir reforço pelo Rio da Prata, pois geograficamente isso ficou inviável, impossibilitando uma contraofensiva daquele reinado. Instalado um novo país, a ousadia paraguaia culminaria com a tentativa de traçar seu próprio destino econômico, séculos mais tarde. O resultado foi de que o novo Império da época, a Inglaterra, reagiu e influenciou para que Uruguai, Argentina e Brasil entrassem numa sangrenta, dolorosa e trágica guerra com o Paraguai, há cerca de 150 anos. Registra-se que não teria sobrevivido homem adulto algum dessa nação. Houve, inclusive, episódios de crianças terem sido massacradas. As sequelas disso são sentidas até hoje. 

Neste cenário, incumbiu-se a história às mulheres paraguaias pela reconstrução do país. Esse protagonismo feminino foi de forma sublime reconhecido pelo Papa Francisco na visita que fez à Assunção e à Caacupé em julho de 2015. Ele disse que “as mulheres paraguaias eram as mais gloriosas da América. Teriam resgatado a Esperança de um novo amanhã, por reconstruir a nação, sua cultura, seu idioma, sua fé”. 

Em que esta rica história conecta à de Mandaguari? Assunção fará 483 anos de fundação em agosto. São 400 anos mais que Mandaguari. Há acúmulos e contextos bastante distintos, mas há similaridade: ambas são “mães de muitas cidades”. De Mandaguari, como sabemos, originaram-se ou antecederam-se cidades pólos no noroeste paranaense, como Paranavaí, Cianorte, Umuarama além da sétima mais populosa da região sul do Brasil (segundo censo do IBGE em 2018), Maringá.  Este papel glorioso, mas pouco reconhecido, é o que a história reservou a esse município singular. Ser “mãe” de outros lugares faz com que estes outros lugares sempre tenham um pouquinho do “gene materno”. 

Mas o que nos faz conectar com o futuro? Que é o que nos importa. Há lições nessa história. Da mesma forma que serviu à uma nação destruída por uma guerra reerguer-se, deverá servir à brasileiros e povos de qualquer lugar no mundo. O reconhecimento do papel protagonista em quaisquer sociedades exercidos pelas mulheres, pelas crianças, pelos grupos com identidades sócio-culturais próprias ou pelos humildes anônimos mundo afora é fator de elevação de uma autoestima coletiva. Ademais, não há tragédia que tenha poder de abalar premissas como essa. 

João Flávio Borba é natural de Mandaguari. Admirador de outras culturas para entender melhor aquela que nos cerca.