“Toda conquista só vale se soubermos preservá-la”

Não há vitórias definitivas nem derrotas que perdurem para sempre. Pois então. Aquele senhorzinho saía da pequena cidade. Ia sempre empurrando seu carrinho de sorvetes. Sentido à vila rururbana. Lá, pessoas numa comunidade, formavam quase um bairro da cidade, mas eram agricultores de parcelas comuns da terra. Produtos em diversidade. Muitos de forma agroecológica.

O prazer do experiente sorveteiro ir lá, uma a duas vezes por semana. Os fins de semana eram mais frutíferos. A criançada e os adultos aguardavam sua chegada.  Saborosos sorvetes. O velho vendedor, na verdade, gostava mesmo era das conversas com os grupos de famílias do local. Motivação extra para a vida. Revigorava-se. Realimentava-se.  Sentia isso pois se identificava com a história de vida de cada um daquela vila. Lembrava-se do seu passado.  Conectava-se com sua origem.

O sorveteiro julgava não ter mais idade para reviver a lida da terra. A labuta da lavoura. Adorava o trabalho da roça, mas pensava não ter mais força para retirar do solo o alimento da vida, ainda que este trabalho, atualmente, fosse menos penoso.

Ah, as tecnologias avançaram, diminuíam a brutalidade do trabalho, mas ali, também, a organização e distribuição de tarefas entre seus moradores era mais conversada. Planejada. Tudo isso foi, com o tempo, incorporando muita confiança dele naquele povo. Suas virtudes alimentavam, e muito, os valores e os ideais que ele julgava serem os verdadeiros. Tudo renovava o sentimento de esperança do sorveteiro, assim como de uma parte do povo local do município que conhecia aquela experiência.

Corriam, na cidade, fortes boatos de que uma fábrica se instalaria em algum lugar nas cercanias da cidade. Nalgum lugar. Era uma propaganda só. Muitos empregos prometidos. Prometidos em geral. Todo mundo acreditava. Podia até ser que também fossem para os jovens dali do município. Ninguém tinha certeza. Parece que os donos eram de bem longe, ninguém assegurava.

Tal fábrica ia fazer uns produtos que iam ter que ir pra outro lugar, não seriam consumidos no pequeno município. Mas nestas bandas, tinha uma certa matéria prima boa e em quantidade, mas precisavam ampliar. Os boatos rondavam, cada vez mais fortes, mas nada estava muito assegurado. O velho vendedor chegou faceiro numa das idas à comunidade rural contando a novidade que se abateria sobre a cidade. Ele até citou um filho dele que podia melhorar de emprego com a vinda da tal indústria. Tinha dúvidas e suas expectativas o incomodavam de certa forma. Com quem não mexeria?

Mas algo lhe abalou, pois conversando com os sitiantes produtores de alimentos, ele descobriu que a tal indústria havia mapeado que o melhor lugar para que ela fosse instalada era justamente sobre a agrovila e em parte da área de produção deles. Aquele homenzinho que quase alcançava a terceira idade não podia acreditar. Ficou em crise. Pensava nas chances do filho com um emprego moderno. Pensou também no seu próprio passado e em como aquela comunidade rururbana atual era a materialização do seu sonho. Chorou naquele dia.

Dias depois, uma de suas netas, garotinha, sorriso no rosto, perguntou ao avô se ela podia acompanhá-lo em visita à comunidade rural que ele sempre ia. O avô afirmou que sim. A neta então lhe contou que havia amado aquele lugar. Lá tinha uma floresta linda. Ela contava que a professora levou sua turma para conhecer o lugar onde se produzia quase todo o alimento que era servido na escola. A menina adorava os lanches. O senhor chorou novamente, muito mais por dentro. Ele reuniu certezas. Sua neta estava tendo oportunidades que estavam ligadas aos sonhos do avô. Seus filhos não tiveram a mesma oportunidade. Ele se arrependia amarguradamente.

O velho sorveteiro continuou a ir uma ou duas vezes por semana até lá na comunidade rural. Agora não era mais só para vender sorvete, nem pra desfrutar apenas das histórias nostálgicas. Agora ele ia prestar contas com aquele conjunto de pessoas de que ele, na maioria das vezes acompanhado de sua netinha, estava marcando e realizando reuniões pela cidade. Não polemizava nas reuniões sobre a indústria, onde ia ser instalada ou não, nada disso. Ele, então, disse às famílias sitiantes para se prepararem, pois muita gente queria, em grupos maiores ou menores, vir conhecer a comunidade rururbana produtora de uma diversidade de alimentos saudáveis para a cidadezinha do interior.