“Tio Zózimo – As meninas e o livro secreto”

O caso pareceu até filme do James Bond. 007. As meninas, em secreta aventura, como se tivessem numa caverna perdida, descobriram na Biblioteca da escola uma estranho e misterioso livro.

Composto num idioma de antigas aparências. Desenhos perfeitíssimos de naturais lugares. Amarelecidas páginas costuradas.

Apostando que os rapazes da Rua de Baixo também iriam se interessar, correram contar pra eles. Todo carinho. Voltaram com os olhos cheios de decepção.  Eles não demonstraram o menor interesse. Preferiram ficar cuidando dos ensaios da festa junina, comandados pela professora Geralda. Ou comentando sobre a capa do novo disco do Secos e Molhados.

Mesmo chateadas, Hadija, Evelyn, Jennifer, Júlia, Cris resolveram agir.  Audazes e  caprichosas. Para não deixarem pistas de que tinham visto o tal livro, combinaram. Cada uma copiaria uma página.  Pena que não desse para reproduzir as gravuras.

De longe, sem que elas soubessem, eles faziam leves deboches. Jota Gê brincava. Vai ver que é grego. Altamiro tripudiava. Aposto que é dos alquimistas. Jeffs tirava um barato. Tem mais jeito de ser livro hindu. Y Agus não ficou para trás. Lançou. Deve ser algum tarô antigo. Piadinhas escondidas. Tio Zózimo achando que não ia dar nada, não.

Aproveitando-se da situação, sentindo que as meninas estavam meio distantes dos rapazes, Licurgo colocou mais um de seus planos em ação. Inventando bombons e poesias para se aproximar. Dia após dia. Jeffs percebeu o perigo. Antena ligada. Ficou ainda mais furioso quando viu, com os próprios olhos, que elas presentearam Licurgo com uma das páginas da cópia do livro secreto. Aí, já era demais.

Pior. Quando Licurgo percebeu que tinha sido ludibriado com uma página falsa, correu contar para o Diretor Careca. Foi um rebuliço. Acusadas de mexerem em livros proibidos. Tiveram que assinar atas. Livro Negro. O escambau. Os rapazes nem aí. Não deram nenhum apoio. Ficaram na moita. O diretor ameaçou que ia dar um fim no tal do livro. Esconder. Enterrar. Queimar.

O rolo só aumentava. Por sugestão da Jenniffer, tentando amenizar a situação, quando elas já tinham uma quantidade boa de páginas copiadas, foram pedir ajuda aos rapazes para traduzir para o português. Mas, eles, com dor de cotovelo, fizeram birra, se negaram a colaborar.

Para elas, isto foi até um incentivo. Superar uma barreira sem a ajuda deles faria muito bem pra elas. Assim, Hadija e Cia. Foram buscar ajuda. Dicionários, Dicas e pistas e lições.

Nem falavam mais com os meninos sobre este assunto. Que eles costumavam ficar irritados. Dois meses de pesquisas. Conseguiram traduzir as dez cópias. Muito suor e dedicação. Mas aí de tão encantadas com o resultado, resolveram compartilhar com eles os assuntos do livro.

Elas tinham descoberto, através das traduções, que o livro era composto por cartas escritas por um tal Johanes Flavius, um jovem que andou por estas bandas, há muito tempo. Na época dos índios. Este Johanes tinha vindo com a missão de capturar indígenas para escravizar, mas ao se deparar com as belezas naturais e assistir às cerimônias e costumes dos nativos, abandonara tudo e passou a viver nas aldeias daqui.

Os rapazes ficaram muito encantados. Queriam ler as cópias. Ver com os próprios olhos. A cópia feita pela Hadyja falava sobre os minerais achados às margens do Pirapó.  A página da Jennifer contava sobre as lendas dos povos indígenas do Rio Caitu. Evelyn trouxe a página dela também. Dissertava sobre as culturas agrícolas e caça dos povos do Rio Keller. A cópia da Júlia, depois de traduzida, revelava os casamentos entre os guerreiros e guerreiras das tribos vizinhas entre o Ribeirão Alegre   e o Córrego Volga.

Era a pré-história da cidade saltando aos olhos. A natureza, homem, os animais. As águas.  A curiosidade tomou a cabeça deles. Ainda mais quando a Júlia disse que no livro havia desenhos de cachoeiras e rios, provavelmente o Arassu, o Keller, o Vitória. Trilhas e animais. Caciques e mulheres das tribos.

Endoidecidos, alucinados. Queriam saber tudo. Ainda existia uma esperança. Correram para a Biblioteca. Viraram.  Reviraram, mas o livro não estava mais lá. Perderam o elo mais importante da nossa história. Por causa de orgulho bobo. Estava à mão. Agora iam ter de contar com a sorte até alguém conseguir alguma pista do livro. Porque, se fossem perguntar ao Diretor Careca, seriam ameaçados. Expulsão. Reprovação. Orelha de burro.