Força de vontade de aprender

Uns dos principais temas desse século são as correntes imigratórias ao redor do mundo. Os fatores que fazem essas pessoas deixarem seus países vão desde conflitos armados na região onde vivem até a fuga da extrema pobreza ocasionada por desastres naturais como é o caso do Haiti, que foi acometido por um terremoto em 2010.

Dando continuidade na série de reportagens que o Jornal Agora está fazendo sobre a vida dos haitianos em Mandaguari, nossa equipe conversou com a secretária de educação do município, Adenise Batista, e com a diretora do Colégio José Luiz Gori, Isabel Cristina Lopes.

Segundo Adenise, atualmente 31 alunos de ascendência estrangeira são estão pela rede municipal de ensino. A grande maioria está nos CMEIS, que atendem crianças entre três e quatro anos. Ainda conforme informação passada por Adenise, essas crianças já nasceram no Brasil, o que torna a adaptação mais tranquila. “Como essas crianças nasceram aqui, elas já aprendem nossa língua”, ressalta a secretaria.

Na educação fundamental fase 1, que vai do primeiro ao quinto ano, o munícipio atende três crianças que vieram para o Brasil junto com seu pais. Os professores procuram métodos lúdicos como utilização de cartazes, expressão facial e corporal, que auxiliam no aprendizado dos alunos e ajudam a entender como é o funcionamento das rotinas da escola. O município não possui professores fluentes em crioulo, que é um dialeto derivado do francês, falado pelos haitianos.

Adenise informa que a Secretaria de Educação vem se preparando cada vez mais para receber essas crianças vindas de outros países e relata caso de uma chinesa que chegou à cidade e foi matriculada no quinto ano da escola Yolanda Cercal da Silva, que não falava nada em português. “Como o contato com ela foi bem difícil, contamos com a colaboração do marido da professora, que estava preparando um trabalho para uma empresa chinesa. Ele ensinou a esposa a usar um programa tradutor, o que facilitou a comunicação com essa aluna. O fato é que as crianças aprendem com mais facilidade, e no final do ano letivo essa aluna já falava e entendia bem a nossa língua”.

Mesmo não encontrando dificuldade com as crianças, a secretaria acompanha de perto do desenvolvimento pedagógico dos alunos, e o início contou com apoio da Paróquia Bom Pastor, que já vinha fazendo um trabalho junto aos haitianos.

Na rede estadual de ensino é onde estão os principais desafios, tanto dos alunos quanto dos professores. A diretora do Colégio José Luiz Gori, Isabel Cristina Lopes, explicou que a classificação do aluno é feita pela idade, e o estudante é inserido na série correspondente, tendo ou não concluído os anos anteriores no país natal. “Se o aluno tem 13 anos, ele vai direto para o sétimo ano, então ele esbarra na língua, porque está aqui há poucos dias, e vem para o colégio. E lá eles não aprenderam nada, porque muitos não estudavam”, explica Isabel Cristina.

Dos sete alunos que estão matriculados no colégio, apenas dois haviam frequentado a escola no Haiti, e desses apenas uma aluna chegou no estabelecimento com o ensino fundamental fase 2 concluído. A diretora também relata que até o ano passado o governo estadual disponibilizava aulas de contra turno para esses alunos, que faziam aula de apoio principalmente dos conteúdos de português e matemática. Este ano, até o momento, essa sala não foi liberada.

Apesar das dificuldades encontradas a diretora não deixa de ressaltar a força de vontade em aprender e o bom comportamento dos estrangeiros. “Nós procuramos várias formas de ajudar, inclusive contestando essa legislação de que o aluno tem que ser enquadrado pela idade e não pela série que estudou”, conta Isabel Cristina.

A diretora revela que os professores fazem uma adaptação curricular, com a preparação de materiais específicos para esses alunos e acompanhamento paralelo, que faz uma intercalação com as matérias.

O colégio possui no período noturno uma sala com pouco mais de 20 alunos, que faz uma mescla entre recém-chegados e pessoas que já estão no país há mais tempo. A sala corresponde ao fundamental, onde os haitianos aprendem o português com a tradução das palavras do crioulo para nosso idioma.

Com material de apoio, a professora responsável pela sala é Flávia Cristina Santos. Ela conta que já esteve à frente em 2015 e está retornando esse ano. Flávia relata que, no início, a primeira apostila com as traduções do crioulo foi passada por uma professora da Universidade de Brasília. Hoje, além dessa primeira, contam com outra desenvolvida pelo Exército Brasileiro e outra desenvolvida no próprio colégio.

A reportagem do Jornal Agora pode acompanhar quase uma hora de aula, onde a professora enfatizou a força de vontade de seus alunos em aprender, mesmo com alguns morando em bairros distantes do colégio e, depois de um dia de trabalho, a sala está cheia e é impossível não notar o silêncio e a concentração na sala de aula.

 

* Matéria publicada na 303ª edição do Jornal Agora