Os natais de outros carnavais

João Juvêncio estacou no portão de casa. O cheiro de dezembro no ar.  Suas botas se negando  a seguir caminho. As cores do final de ano o assustavam. O aroma natalino amarrando-lhe o coração.

Com a respiração difícil, brigou consigo mesmo. Precisava ir. Ver a cidade à noite. O que estava acontecendo. As novidades. As luzes.

Os últimos natais tinham-no sufocado. Grudavam em seu pescoço. Trancavam as ideias.   Momentos sozinhos. Presentes que não chegavam. Presentes que não mandava. Cartões que não vinham. Cartões que ficavam em branco, em sua gaveta, sem ninguém para mandar.

Os Natais tinham sido outros, outrora. João Juvêncio contava os dias que faltavam. Dezembro morava num lugar distante. E ia chegando devagar, com musiquinhas novas das Pernambucanas e Riachuelo. Um monte de folhinhas. De  cada loja, de  cada farmácia. Reuniões festivas em casa. Na casa de amigos. De parentes.  A música na tevê. A paz no coração.

João Juvêncio queria saber o que tinha acontecido consigo próprio. Por que esta sem graçura, de repente. Por que todo mundo distante. Tudo embrulhado em papel sem cor. Os dias todos iguais. Num trabalho sem fim.

O sangue ferveu-lhe a cabeça e num desafio suas pernas tomaram a decisão. Carregaram João para a Avenida Central. Já era bem noite. Logo na primeira quadra, milhares de luzinhas. Automóveis cheios de famílias com janelinhas abertas. Lojas entupidas. Casais, casais, casais. Invadiram sua mente. Dominaram seu pensamento. Baixaram sua pressão arterial. Atingiram seu coração.

E num rodamoinho, num labirinto, num vai-não-vai, João tentou ler a placa. Era mesmo? O Bazar do Turco. Mas, não havia fechado para dar lugar a uma loja moderna? Até os dois degraus pintados com vermelhão.

Foi subindo. Foi entrando.  Entre prateleiras de cobertores e acolchoados, bolas de futebol de plástico,  kichutes,  camisas volta ao mundo, João encontrou tanta gente. Abraçou. Perguntou pelas famílias. Trocou presentes.  Recebeu cartões de Feliz Natal. Deu. Até uma Sidra Cereser abriu com colegas da escola.

Foram horas, andando adiante pelo Bazar do Turco. Adentro. Mas, não era tão grande assim, pensava, enquanto convivia, compartilhava. Caminhou, recebeu abraços, via tanta gente bem perto de si. Como ele entrara neste mundo antigo, perdido? Não queria nem saber a resposta.  Se debatia para não questionar, quando um vestido branco de bolinhas pretas prendeu, sugou sua atenção.

A dona do vestido. Era ela. Correu para alcançá-la. Ana. Ana. Ana.  Ela correu mais do que ele.  Como naquela antiga noite, na Avenida.  Ana  desapareceu na esquina da Casa Marília. Atravessou a Avenida. Nem adeus.

João Juvêncio voltou a si. Nunca soube quanto tempo depois. As enfermeiras estavam lhe aplicando vaporizadores no peito e no nariz. Acorda, seo João. Era a voz de uma delas. Hoje é noite de Natal.