Universidades desenvolvem ventiladores de baixo custo no Paraná, mas esbarram em burocracia e falta de recursos

Pesquisadores de universidades no Paraná têm desenvolvido projetos de ventiladores pulmonares de baixo custo durante a pandemia do novo coronavírus. Entretanto, eles relatam dificuldades, como a burocracia para fazer os equipamentos chegarem, de fato, aos hospitais e a falta de dinheiro para a produção.

Conforme o Ministério da Saúde, os ventiladores pulmonares são fundamentais no tratamento de pacientes graves com insuficiência respiratória e custam, em média, R$ 50 mil. A estimativa é que cerca de 5% das pessoas infectadas pelo coronavírus precisem do equipamento.

Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), desde março de 2020, dois modelos de ventiladores pulmonares nacionais foram aprovados e, portanto, liberados para fabricação. Por causa da pandemia, a agência flexibilizou algumas exigências e informou que tem levado cerca de cinco dias para liberar o registro (leia mais no final da reportagem).

Em três dos projetos universitários paranaenses, os ventiladores pulmonares continuam em desenvolvimento para atender às exigências de segurança da Anvisa. O custo dos aparelhos estão entre R$ 1,5 mil e R$ 7 mil.

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Um deles é desenvolvido pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), em Curitiba, em parceria com outras 11 universidades de ensino do Brasil. O primeiro protótipo do grupo de pesquisadores ficou pronto no dia 20 de março, segundo o professor do Departamento de Eletrônica Hermes Irineu Del Monego.

O aparelho é um reanimador automatizado, que é um equipamento utilizado para buscar a estabilização e manutenção de pacientes à espera de ventiladores pulmonares convencionais. Ele está em fase de testes em humanos em dois hospitais do país e aguarda a liberação de registro da Anvisa, segundo o professor.

“A dificuldade é a burocracia que os órgãos oferecem, não digo que são maus, entendo a questão da segurança, mas isso demora demais e pode nos prejudicar. Nossa equipe tem mais de 40 professores trabalhando, que se dedicam dia e noite. Seria muito frustante não progredir com o aparelho por questão de liberação e, principalmente, questões financeiras.”

De acordo com o professor, os primeiros protótipos foram realizados com recursos dos próprios pesquisadores. Enquanto se espera o registro da Anvisa, o projeto desenvolveu um site que apresenta detalhes do trabalho e possibilita diferentes formas de doação. O objetivo da plataforma é levantar fundos para produzir os ventiladores gratuitamente às unidades de saúde.

O custo previsto para cada ventilador do projeto é de R$ 1,5 mil. Segundo Monego, a produção do aparelho não visa lucro e não será concorrente de empresas que produzem ventiladores convencionais.

“O nosso problema é conseguir divulgar que estamos à procura de recursos. É complicado pedir, mas estamos pedindo dinheiro por algo muito nobre. Nós não queremos nenhum tipo de agradecimento, não queremos nada, só queremos contribuir com a sociedade, essa é a nossa função”, explicou.

 Outro projeto desenvolvido é o da UTFPR, de Ponta Grossa, na região dos Campos Gerais do Paraná. Os pesquisadores e alunos desenvolveram um ventilador pulmonar a partir de um motor de para-brisa de caminhão.

 

De acordo com o professor Joaquim Mira Junior, um dos integrantes do projeto, o protótipo está no terceiro modelo e teve o tamanho reduzido. A parte interna e eletromecânica está pronta, segundo ele.

Após avaliação do Conselho de Ética da instituição, o aparelho será testado em animais e em humanos. Assim, a equipe poderá pedir a aprovação para a Anvisa.

“Acho que é o mínimo que podemos fazer como instituição pública federal, pois recebemos recurso da população para existir. Estamos mostrando para a sociedade que temos excelentes profissionais e alunos, e temos condições de fazer muita coisa em prol da sociedade. Estamos bem contentes com os resultados. Deus queira que consigamos a autorização para que o aparelho chegue a quem precisa!”

A princípio, o professor prevê que o custo para a montagem do aparelho é de cerca de R$ 3,5 mil. Para a produção do protótipo, os pesquisadores contaram com doações de empresas, do Ministério Público Federal (MPF) e da Justiça Federal de Ponta Grossa.

O protótipo foi apresentado recentemente para profissionais de saúde do Hospital Universitário Regional de Ponta Grossa. Conforme Junior, a recepção foi positiva e, após o feedback da equipe médica, o aparelho teve alguns ajustes.

A Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila), em Foz do Iguaçu, no oeste do Paraná, também tem desenvolvido um ventilador de baixo custo.

De acordo com o médico Luiz Fachine, um dos professores responsáveis pela iniciativa, o aparelho foi melhorado e, agora, depende de um display para o protótipo ser finalizado. O ambu, por exemplo, foi substituído por uma turbina.

A nova versão do aparelho poderá custar cerca de R$ 7 mil, segundo o professor. A ideia é de que seja um equipamento inovador e barato para auxiliar no tratamento de pacientes com problemas respiratórios.

“Não estamos para brigar com quem fabrica isso, a tecnologia das grandes empresas é diferente. O que o SUS tem nos hospitais é outra coisa, não será substituído. O que desenvolvemos é algo a mais que o sistema de saúde poderá usufruir na pandemia e depois dela”, destacou.

Segundo o professor, os protótipos feitos até o momento foram montados com recursos dos próprios pesquisadores. Atualmente, a equipe aguarda um edital para conseguir financiar a produção.

O protótipo ainda precisa ser finalizado, testado em animais e em humanos para, na sequência, ser solicitado o registro da Anvisa, conforme Fachine.

Projetos que aguardam registro

Segundo a Anvisa, até a publicação desta reportagem, apenas três projetos que utilizam a compressão mecânica de um reanimador manual, o conhecido ambu, aguardam a homologação da agência no Brasil.

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Os três ainda precisam cumprir com exigências técnicas para que sejam usados de forma segura, conforme a agência.

A Anvisa destacou ainda que esses equipamentos desenvolvidos com o ambu, não podem ser comparados à complexidade da fabricação de um ventilador pulmonar convencional. Por isso, o uso do aparelho deve ser restrito e emergencial.

Respiradores no Brasil

Os dois registros aprovados pela Anvisa na pandemia, destacados no início da reportagem, são das empresas HB Hospitalar Indústria e Comércio e Smiths Medical Brasil Produtos Hospitalares, ambas de São Paulo (SP).

Outros três projetos de aparelhos de empresas nacionais estão em fase de testes laboratoriais de segurança e desempenho, para serem submetidos à agência.

A Anvisa informou ainda que nos últimos 17 anos foram registrados 96 ventiladores pulmonares, fabricados por 42 empresas diferentes. Desse total, 71 são produtos importados e 25 são nacionais.

Compra de ventiladores pulmonares

Conforme o Ministério da Saúde, a compra dos ventiladores pulmonares é de responsabilidade dos gestores locais, pois receberam recursos extras para o enfrentamento da Covid-19.

Entretanto, por causa da falta dos equipamentos a nível mundial, o Ministério da Saúde informou que tem auxiliado estados e municípios nesse tipo de compra.

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Desde o início da pandemia, o Paraná recebeu 220 ventiladores pulmonares do governo federal.

Segundo a Secretaria de Estado da Saúde, até o momento, o Paraná conta com quase 3,9 mil respiradores em uso. Desse total, 2.937 estão em unidades públicas de saúde e 942 em hospitais particulares.

O Ministério da Saúde informou ainda que, até quarta-feira (24), foram assinados cinco contratos com empresas brasileiras para a produção de 16,2 mil ventiladores pulmonares, com valor total de R$ 787,5 milhões.

A compra dos equipamentos envolve 15 instituições, como fabricantes, instituições financeiras e empresas de tecnologia, segundo o ministério.

Segundo o Ministério da Saúde ainda, a distribuição desses equipamentos tem ocorrido conforme a capacidade de produção da indústria nacional, que depende de algumas peças importadas.

Até quarta-feira, foram distribuídos 4,8 mil ventiladores pulmonares em todo o Brasil pelo governo federal.