“Tio Zózimo: A primeira viagem a Maringá”
Costurar com pouca linha é só pra quem pode. Tinha sido uma guerra. De gerações. Vitoriosos e irreverentes, sentados no muro do Colégio, em poses copiadas de jornais e revistas, riam das escaramuças em famílias. Cada batalha ia se tornando lenda. Mais detalhes. Mais emoções.
Mateu Zinho, tirando os cabelos dos olhos com um estudado balanço de cabeça, lembrava como o pai havia o ameaçado. Filho meu não entra na moda dos cabeludos. Experimenta pra ver.
Zé Carlim, três dedos no bolso das calças justíssimas, vibrava. Minha mãe rasgou três bocas de sino, mas, hoje, ela acha bonita. Viu na tevê o galã da novela usando.
A doce ilusão do mundo pop pipocando nas roxas terras dos cafezais. Crista da onda. Uma brasa e outros bichos.
Tio Zózimo, nesta atmosfera de alegria, foi sacando que era pouco. Precisavam ousar mais. O mundo era amplo. Sabiam que Jão Rodrix já havia ultrapassado limites em suas viagens. Conhecia emoções de outras regiões.
Não se sabe de quem foi a ideia. Visitar e conhecer Maringá. Era a meta a ser atingida. Botaram na cabeça. Enquanto não fossem, seriam menos. Faltando um pedaço.
Fizeram a lista de quem iria. Juntaram moedas. Cruzeiros novos. Cédulas carimbadas eliminando os três zeros que a inflação comia diariamente.
Preparativos em marcha. Corações aos pulos. Expectativas. Trocas de informações. Cine Plaza. Parque do Ingá. Pedalinhos. Matinê dançante na Vila Operária.
Tanto diz-que-diz-que chegou aos ouvidos dos pais. Nova Guerra. Batalha. Ratatá –tatá. Fãs dos Beatles e Dos Rollings Stones sob a vara de marmelo dos pais. Onde já se viu?
Cada pai exagerou na bronca pra mostrar quem era o mais bravo da rua. A estrada é perigosa. Pessoas estranhas no ônibus. Ouvi dizer que pode cair um cofre daqueles prédios. Onde vocês estão com a cabeça? Filho meu não anda de pedalinho. A Avenida Brasil tem 4 pistas. Vocês vão se perder naquele mundaréu de cidade.
Os pais impuseram a autoridade. Os jovens assinaram a rendição. Não se fala mais nisso, hein?
Uma vírgula.
Todo medo tem suas luzinhas do desejo acende-acendendo. Pisca-piscando. Bastou Iza, a Bela, a dona da única jaqueta LEE da escola, toda personalizada, ombro direito caindo displicentemente, a omoplata mais rebelde que estas terras roxas já viram, relançar a ideia de visitar a cidade canção para alguns reavaliarem o procedimento.
Boi sonso é que pula a cerca. Os quatro, Tio Zózimo, Mateu Zinho, Altamiro e Ti Agão fecharam uma aliança com ela, Iza, a bela. Maringá, alvo da conquista. O Cabo da Boa Esperança. A viagem que ia fazer a diferença. Além das órbitas comuns do dia a dia.
Na véspera, a euforia e o medo revezavam em seus corações. O sábado caía lentamente, elefante puxando pela corrente o grande domingo. Faltavam poucas horas.
Alô, Houstown, temos um problema. Depois do almoço, programa do Bolinha. Deram-se as bombas. A notícia correu como pólvora. Os pais souberam. A seleção da União Soviética ia jogar em Maringá. Metrevele, Yashin e companhia. Foi um sururu. Reuniões dos pais nos portões. Era o fim do mundo. Não iam deixar ninguém sair de casa.
Familiares montaram vigílias nas esquinas. Nas pontas da Rua. Ninguém entra, ninguém sai. Filho meu, fica dentro de casa, vai que o levem pra trás da Cortina de Ferro, gritava o dono do açougue, limpando a mão no avental. Dona Lamparina fez uma tabela de revezamento. Cada pai tinha um horário de vigia.
O domingo amanheceu triste, a rua cercada, vigiada e se estendeu assim, menos para Dimas que se alegrava com a frustração do plano dos bois sonsos.
Ponto e vírgula.
Quem não conhece Iza, a Bela, conta com a derrota antes do tempo. Sempre um plano B nas mangas da jaqueta. Ela sabia do último ponto, o ônibus parava rapidamente. Os 5. Maior aventura comprar a passagem do cobrador. Picotar no caminho. Só se achegaram `a janelinha depois do Pontilhão. A torre da igreja já estava pequenininha.
Mundo, mundo, vasto mundo. Se abria. Marialva. Sarandi. A entrada de Maringá. Barracões de benefícios de algodão. Coração apertado, a estação rodoviária. Paredes de pastilhas coloridas. Um estacionamento para cada ônibus. Bares. Lojas. Bagagens levando e trazendo pessoas.
Ninguém soube, ninguém viu. No outro dia na escola, eram as atrações. Falavam das descobertas. A catedral em construção. O foguetório no Estádio. O Grêmio enfrentando os soviéticos. O grande bar de 8 portas na Avenida Brasil. A estátua do peladão. O frio na barriga ao passarem pelo Viaduto do Café, na São Paulo, o resto do incêndio das Casas Alo Brasil, a esquina da Hermes Macedo.
Só muito tempo depois revelaram. Depois do passeio, haviam se perdido no Parque Ingá. Foram voltas e voltas entre a mata tentando se encontrar. Pensando na vida. Se arrependendo. Se convencendo. Se conhecendo.
Quando os pais souberam, a seleção da URSS já estava na Inglaterra, estreando na Copa do Mundo.