Presidente da Câmara diz que falta de diálogo com o Executivo levou a denúncia ao MP

Parece uma novela, mas infelizmente não é. É o caso do Canil Municipal, que está há mais de dois anos se desenrolando.

Tudo começou com a construção da primeira etapa da obra, em 2016, com todo o setor administrativo: recepção, consultório veterinário, banheiros, vestiários, copa/cozinha, despensa, depósito de ração, sala de direção, sala de reuniões e lavanderia. O valor investido nessa primeira parte foi de R$ 166.508,70. Já a segunda etapa, realizada em dezembro de 2017, ergueu outras duas construções, onde funcionariam os canis para quarentena e doação. Mais R$ 128 mil de recursos próprios da prefeitura foram então utilizados.

O prédio foi entregue à comunidade em julho do ano passado, mas isso só na teoria. Até o momento, o uso do espaço não ocorreu para a finalidade prevista. A reportagem do Jornal Agora teve acesso a imagens que mostram o Canil Municipal sendo utilizado por competidores durante a segunda etapa do Campeonato Paranaense de Motocross. Além de um chuveiro ter sido instalado nas baias onde supostamente ficariam os cães, o local foi utilizado como alojamento para pessoas e veículos chegaram a ser lavados por lá.

Para completar, em fevereiro e maio deste ano, vereadores estiveram no prédio para realizar fiscalizações. Nas visitas, eles encontraram rachaduras, infiltrações, danificação por excesso de sujeira em quase todo o piso da área administrativa e necessidade de roçada no terreno. Ou seja, o prédio que nem chegou a abrigar um cão sequer já estava inutilizável.

A história ganhou um novo capítulo nas últimas semanas, quando o Legislativo entregou ao Ministério Público um dossiê, solicitando que o órgão apure possíveis irregularidades na ocupação do canil. Após a denúncia, o local mudou de nome e virou o Centro de Bem Estar Animal. A mudança tem um motivo: o espaço, que antes seria responsabilidade da Secretaria de Saúde, foi passado à Secretaria de Meio Ambiente.

O Jornal Agora procurou as partes dessa história, para entender melhor o que houve com o Canil e quantos outros capítulos ainda teremos que acompanhar. Confira agora o que dizem Paulo Conte, secretário de Desenvolvimento Econômico, e Hudson Guimarães, presidente da Câmara de Vereadores. A reportagem tentou contato com Tharik Diogo, da Promotoria do Patrimônio Público, mas ele não se manifestou até o fechamento da matéria.

 

Executivo

Paulo Conte afirmou que a mudança demandou algumas adaptações no espaço já construído. “O Conselho de Veterinária analisou nosso projeto de bem estar animal e fez apontamentos. Ou seja, algumas mudanças que precisarão ser feitas, como instalação de luzes, tratamento de resíduos sólidos dos animais e outras ações”, contou.

Quando questionado sobre a utilização do espaço durante o Campeonato de Motocross, Conte disse que o município sabia sobre o caso. “A Secretaria de Esporte, Cultura e Lazer pediu para instalar um chuveiro no local, caso o pessoal tivesse necessidade de tomar banho. Entendemos que não teria nenhum prejuízo para a obra fazer isso, então concordamos”.

O secretário afirmou ainda que, no seu entendimento, isso não configurou um desvio de finalidade. “Quando uma escola cede espaço para uma entidade desenvolver um trabalho, por exemplo, não é desvio, é algo de interesse público. O Campeonato do Motocross é um evento internacional, leva a imagem do município, promove economia e saúde pública. Não vejo nenhum problema as secretarias colaborarem uma com a outra, cedendo um espaço que é público”, finalizou.

Legislativo

A conversa com o vereador Hudson Guimarães, presidente da Câmara, ocorreu após a denúncia ser feita ao Ministério Público. Na oportunidade, ele contou como foi para os legisladores chegarem a esse ponto. “Temos acompanhado as obras do canil há muito tempo. Conforme nos aproximamos de associações, ONGs e protetores de animais do município, nós vimos a necessidade de o canil existir, do espaço ser utilizado”, inicia.

“Entretanto a obra foi entregue e não houve nenhuma iniciativa para coloca-la em funcionamento. Foi então que visitamos o espaço e percebemos que o prédio já estava degradado. Notamos diversos problemas estruturais e foi impactante vermos uma obra entregue, que nunca foi utilizada, com trincas nas paredes, portas estouradas, forro com problemas, paredes com sinais de vazamento de água das calhas e o piso completamente imundo”, prosseguiu o vereador.

Hudson afirmou ainda que, ao se depararem com o estado de conservação do espaço, os vereadores iniciaram um processo de fiscalização mais intensa, que culminou na entrega do dossiê a Promotoria do Patrimônio Público. “Como se não bastassem todos esses problemas, tivemos o prédio sendo utilizado para uma finalidade a qual ele não é destinado. Então, se o Canil serviu para abrigar pessoas, para elas tomarem banho e lavarem seus veículos lá, então ele deveria servir para a finalidade que foi construído. São coisas inadmissíveis, um desperdício do dinheiro público”.

Sobre como o Executivo reagiu à informação da entrega do dossiê, Hudson alegou que a denúncia foi uma medida extrema. “Fizemos inúmeros questionamentos ao município, não apenas em plenário. Foram disparados vários ofícios internos da Câmara, enviamos vários procedimentos de análise a respeito disso e algumas respostas vieram vagas, vazias. Em várias oportunidades pedimos previsões para início de uso do local, mas uma vez que percebemos que não havia destino para uso daquele lugar, cumprimos o papel da Câmara, que é fiscalizar todo o processo, juntar as informações e encaminhar ao Ministério Público”.

Para finalizar, o vereador deixou clara sua insatisfação com a situação. “Há uma impressão, até por parte do Executivo, que tivemos prazer em realizar essa denúncia, mas não. Gostaria de deixar claro que eu não tive prazer nenhum, nós não estamos felizes com isso. Não é nem um pouco satisfatório ter que fazer uma denúncia a respeito de uma obra que não tem utilização. O que preferíamos é que ela estivesse em pleno funcionamento, com a população podendo usufruir daquela estrutura, vendo os animais em situação de abandono sendo tratados e castrados. Eu ficaria muito feliz se visse as políticas públicas relacionadas a esse tema acontecendo.”

 

* Matéria publicada na 306ª edição do Jornal Agora