“Tio Zózimo – O Gibi da heroína da cidade (final)”

Como as meninas da sala só tinham olhos para os rapazes do terceirão, a turma da Rua de Baixo resolveu provocar inveja nelas. O plano era criar um gibi cuja heroína era a professora novinha. Fake News, buchichos, migués, falsas denúncias levaram o caso para a Direção do Colégio.

Aproveitando-se do clima de desconfiança, Licurgo achou que podia agir. Descobrir se era verdade. Onde estavam os gibis? Destruí-los. Espalhar as páginas rasgadas pela escola. Escandalizar. Ridicularizar os meninos do primeiro ano.

Não ia ser fácil, mas ele foi objetivo. Disfarçou pelos corredores. Espionou os meninos. Esgueirou-se pelas escadarias. Escondendo-se atrás das colunas.  Matou a charada?

Jeffs deu a dica. O Licurgo está agindo. Altamiro e Tio Zózimo aumentaram a vigilância sobre o perigoso. Yagus pensava num plano de camuflar os gibis. Deixar pistas falsas.

Enquanto isso, Licurgo agiu. Cirúrgico. Conseguiu a chave da sala secreta. Quando todos pararam para almoçar, aproveitou a oportunidade. Apressado. Suando. Localizou no armário os exemplares. Aflito, passou um a um, os 25, no triturador de papéis. Com raiva. Inveja. Ódio.  E esparramou pela escola toda. Quando as turmas retornaram, o vento soprava pra lá, pra cá, pelos corredores, os milhares de fragmentos do gibi.

Muitos ficaram chateados. Tinham perdido a chance de ler um gibi criado e produzido na cidade. Outros ficaram irritados. Licurgo destruíra a possiblidade dos meninos serem expulsos da escola.

Não foi fácil o colégio retornar ao seu ritmo normal. Sem suspenses ou ameaças. Mas o dia da avaliação dos trabalhos chegou e os alunos iam ter de apresentar no palco.  Em público. Ao vivo. Esta era a tarefa que a professora tinha pedido para aquele trimestre.

Uma equipe tinha gravado um vídeo. Outra, uma paródia musical. As meninas, uma maquete. Todos estavam só aguardando qual desculpa os meninos da Rua de Baixo iam dar. Afinal, haviam perdido dos gibis.

Quando chamados, uma aflição correu no ar. Licurgo assoviou alto. Até as carteiras se encolheram. Os meninos entraram carregando um pequeno embrulho. Ofereceram um exemplar para a professora e distribuíram os outros 24 para que os demais alunos vissem. Avaliassem.

Ué, mas o Licurgo não os tinha destruído? Era a pergunta. Yagus tinha o enganado com pistas falsas. Tinha deixado, embrulhados e com capas falsas, 25 exemplares do Almanaque Biotônico, na Sala Secreta, enquanto os verdadeiros estavam no cofre da Diretoria. Licurgo saiu chutando a porta.

Foi um alvoroço. Todo mundo querendo ver. Um foi passando pro outro. Trocando de mãos. De carteira em carteira. Grupos se reuniam apontando cenas emocionantes dos gibis. Reconhecendo lugares, distinguindo pessoas retratadas.  Um vuco-vuco sem fim.

Os meninos ficaram tão contentes que nem perceberam. Os exemplares foram desaparecendo. Alguns embolsavam.  Outros escondiam. Eram só 24 exemplares para todo mundo ver.

Só foram dar conta do sumiço no outro dia. Mas, e aí para recuperar? Até tentaram, mas nada conseguiram. Só restaram os rascunhos.

Muito tempo depois, já na Faculdade, Tio Zózimo se lembrou de visitar o mercadinho de gibis que a moçada fazia na frente do cinema, antes do filme da matinê.  Juntou umas cem revistinhas. Tio Patinhas, Michey, Fantasma, Tex. E foi.

Iria trocá-las por outras que nunca tinha lido. Estava selecionando, barganhando, quando percebeu uma negociação mais acirrada. Devia ser alguma revista extraordinária. Correu pra ver. Na primeira olhada, pareceu familiar. Pediu pra ver com as mãos. Não podia ser, cara. Era o gibi da escola. Aquele mesmo bolado e desenhado pela turma.

Tio Zózimo sentiu-se invadido pelas saudades. Emoções. Recordou-se dos amigos. Das músicas da época. Dos filmes.  Resolver fazer uma proposta irrecusável para o dono. Dava as cem revistinhas, mais a coleção de chaveiros pelo gibi.

Alguém do lado ofereceu 101. Olhou. Congelou. Era Licurgo. Já calvo, mas com o mesmo olhar maligno. Não podia perder pra ele. Mandou 102. 103, Licurgo gritou. 104, 105. 150, 151. Para vencer, Tio Zózimo teve que desembolsar 200 revistas em quadrinhos, a coleção de chaveiros, uma coleção de embalagens antigas de cigarros e duas canecas da Festa do Chopp da AABB.