“Tio Zózimo: A chegada da Kombi amarela”

A novidade correu a Rua de Baixo. Tio Zózimo comprou uma Kombi amarela. Dona Marieta prognosticou. Vá, vá, não sabe nem andar de bicicleta Monareta. Seo Anísio da Venda não deixou por menos. Agora vem este tonto querendo dirigir. Vai atropelar uma meia dúzia, isso, sim.

O que ninguém sabia? Tio Zózimo foi mais ou menos obrigado a ficar com a tal da Kombi. É que tinha vindo, um tempo atrás, na casa dos Billa, um casal de polacos e três filhas, um parente meio distante, chamado Nicácio, o Nique.

O tal de Nique tinha muito boas intenções. Trazia de São Paulo a Kombi, sortida de mercadorias da melhor qualidade para vender pro pessoal das colônias. Disco do Wanderley Cardoso, Drops Dulcora, Chicletes Ploc, Pirulito Zorro, Alpargatas. Selim de bicicleta. Chita para as nonas fazerem acolchoados de paina. Tecido de algodão para as mães costurarem colchões de palha de milho.

Um sucesso de vendas. Nique tinha acertado na mosca. O povo garrou a gostar muito dele. Café, rodas de violão, visita ao alambique. Foi se esquecendo de voltar pra São Paulo. E também foi se acostumando aos balcões dos bares. Chegou a conhecer todos os botecos da cidade. Desde o Último-Gole até o Vira-Copos. Do Balcão de Ouro ao Dose Certa.

E neste vai-não-vai, todo dia prometia a si mesmo. Hoje vai ser o última passada nos bares. Mas nunca que conseguia manter a promessa. Depois das 6, sentia-se chamado, arrastado, convidado. Quando via eram dez da noite. Tinha moído toda a grana do dia. Voltava pra casa dos Billa tropeçando nas pedrinhas e tampinhas de tubaína. Arrependido. Remorso grudado na nuca.

Durou esta vida 90 dias dos três meses que ficou. Do moço bem afeiçoado que chegara, despertando olhares e suspiros, quase nada tinha sobrado. Despenteado, calças largas arrastando na poeira. O antigo sapato bem lustrado soltara a sola. Saltos gastos. Quase mancava.

O estoque das mercadorias minguando. O dinheiro tinha se ido. Para alimentar o próprio ego destruído contava causos de quando morava em São Paulo. Herói sob a luz de 20 velas dos botecos.
A mulher do Billa começou a dar indiretas. O marido não achava jeito de chamar a atenção do parente. Além de não colaborar, o primo está chegando tarde, clamava ela. Uma noite, de ovo virado, cabeça cheia, pacová em tiras, não abriu a porta. Deixou o primo dormir na varanda. Sereno da madrugada e lua cheia vão fazer bem a ele.

O Billa ficou muito chateado. Falou com a mulher, na beira do fogão a lenha. Que isso não se fazia nem a um cachorro. Sem dar o braço a torcer, ela disse a célebre frase, ou ele, ou eu. E já começou a colocar os tarecos, trens e roupas dela e das meninas num saco Coronel, pronta para desaparecer neste mundaréu.
Billa se desesperou. O primo que já se sentia culpado, destruído, quase chorou. Mao não tinha como ir embora. Não tinha mais capital. O balcão do bar tinha comido seus lucros. Coitado do Billa. Dois problemas. A mulher que ameaçava ir embora e o primo sem dinheiro para partir.

No desespero, foi falar com Tio Zózimo. Se ele não comprava a Kombi? Tio Zózimo não tinha tanta grana assim pra investir num negócio de vulto. Billa implorou, pediu, até convencer Tio Zózimo a comprar a Kombi, a prestações. 

De tardezinha banho tomado, calças limpas e remendadas, Nique, o parente, com a primeira parcela da Kombi no bolso, embarcou na jardineira, em frente à Cantina Itália. Num saco Coronel levava, amassados, todos os planos que trouxera dentro da Kombi amarela.