Você é minha mãe?

Em Fun Home, a graphic novel que alçou Alison Bechdel ao estrelato nos quadrinhos, a autora falava da relação conturbada com o pai, um professor de literatura que cuidava ainda de uma agência funerária que ficava na casa da família. Nessa história, Bechdel intercalava a narrativa de suas descobertas intelectuais e sexuais – aos dezenove anos, a autora contou à família que era gay – numa reflexão sobre gênero, família e morte. Fun Home acabou por se tornar um dos quadrinhos mais premiados da última década, tendo sido eleito livro do ano pela revista Time, a única HQ a receber a distinção.
Nesta continuação a autora segue na trilha de seu passado contando agora a relação com a mãe, uma atriz amante de música e literatura presa a um casamento infeliz. Num relato emocionante e divertido, a autora se debruça sobre o abismo que a separa de sua mãe, que parou de tocar ou beijar a filha antes de dormir, quando ela tinha sete anos, em busca de respostas e de novas perspectivas para o futuro de ambas. 
Alison Bechdel é uma cartunista americana que está em atividade desde 1983 e possui dois livros publicados. Conhecida por sua série de tirinhas Dykes to Watch Out For, Alison publicou seu primeiro livro em 2007: Fun Home foi apontado como melhor livro do ano pela revista Time, finalista do National Book Critics Circle Award e ganhador do Eisner Award, considerado o Oscar dos quadrinhos. Além disso, este livro ganhou uma adaptação musical na Brodway, feita pela dramaturga Lisa Kron e pela compositora Jeanine Tesori, que recebeu cinco prêmios Tony Awards. 
Em Você é minha mãe?, o leitor acompanha seus pensamentos e suas memórias, seus sonhos, suas mudanças de casa, suas conversas, suas sessões de análise e, principalmente, sua insegurança.
A graphic novel é recheada de citações, tanto literárias como psicanalíticas, Alison Bechdel abusa, de fato, das referências à psicanálise, mas isso não é um algo ruim. A cada começo de capítulo, Alison narra um sonho emblemático que teve e, posteriormente, descreve suas conversas com a ou as psiquiatras. Ao longo da vida, a autora contou com várias profissionais e isso é realmente um grande marco de sua vida, retratado incansavelmente em suas memórias. É uma grande mistura de citações de Virginia Woolf, Sigmund Freud, Donald Woods Winnicott e Alice Miller que dá certo. Ao final da leitura, sabemos um pouco mais sobre Alison, sobre Virginia Woolf, sobre psicanálise e sobre nós mesmos.
“A função do escritor é encontrar uma configuração na vida conturbada que sirva à trama. Não, é bom notar, que sirva à família, ou à verdade, mas que sirva à trama”. Diz a mãe a Alison em determinado momento-chave. “Uau”, responde a autora. “Pois é! A família que se dane”, conclui uma resignada mãe que sabe que a arte sempre estará acima de tudo, mesmo que isso implique em sua filha expondo sua vida de alguma maneira em um livro.
“Não me importo com a parte sobre mim e seu pai. Para ser bem sincera, você não chegou nem perto da minha história. É a sua percepção, e tudo bem”. Alison encerra Você já é minha mãe? com um grande arrebatamento, tudo é seu, são suas memórias, seus relacionamentos. Sua tentativa de expurgar o mau relacionamento com a mãe e sua busca por atenção é concluída, a percepção de Alison não chega nem perto de quem realmente foi sua mãe e tudo bem, pois a literatura é sua válvula de escape e, coincidentemente, sua forma de resolver maus entendidos da vida.