Um Lugar Silencioso – Parte II funciona apesar da trama estagnada
Na abertura de Um Lugar Silencioso – Parte II, a família Abbott aproveita um dia comum, assistindo ao garoto Marcus (Noah Jupe) disputando uma partida de beisebol. Mal sabiam eles que aquele seria o último dia de normalidade antes do surgimento de uma ameaça desconhecida que transforma a vida cotidiana em uma luta diária pela sobrevivência. É quase irônico que esse tenha sido o destino do filme antes previsto para março de 2020, e desde então adiado diversas vezes por conta do fechamento dos cinemas por conta da pandemia de COVID-19. É natural que o interesse no longa cresça nesse contexto tão bizarro e inusitado, e a sequência vale a espera, ainda que deixe muito a desejar.
A continuação se passa logo após a conclusão do original, em que Evelyn (Emily Blunt) e Reagan (Millicent Simmonds) descobrem como combater as criaturas cegas que atormentam o pós-apocalipse. Desolados após a morte do pai Lee Abbott (John Krasinski) e a queda de sua moradia segura, a família parte pela paisagem devastada – mas é forçada a buscar um novo refúgio quando Marcus se fere em uma emboscada.
De cara, é possível perceber o maior problema de Um Lugar Silencioso 2: sua trama desinteressante. Fica visível que a continuação surgiu de última hora, após o inesperado sucesso do primeiro, mas a ideia para levar a jornada adiante é fraca, mais parece versão estendida do que uma sequência, e menos ainda um filme próprio. A sensação de estagnação se mantém por toda a obra, que repete elementos da estrutura e reviravoltas do antecessor. É especialmente lamentável que, após uma hora e meia de duração, as coisas se amarrem exatamente no mesmo ponto em que começam, sem nenhum avanço significativo neste universo e muito menos qualquer tipo de gancho interessante para o inevitável terceiro filme.
O que, então, faz Um Lugar Silencioso 2 valer a pena? Todo o resto. Apesar da narrativa redundante, o filme é melhor construído do que o original. Sem a necessidade de aparecer nas câmeras, aqui John Krasinski toma as rédeas da direção e do roteiro, e o resultado é muito mais redondo e marcante. O ator explora seu estilo próprio, e impressiona na hora de criar tensão sufocante, ação dinâmica e boas composições de enquadramento. O melhor exemplo disso é justamente a cena inicial, que faz alusão ao início do antecessor, em que a família saqueia uma farmácia abandonada. Trabalhando com um flashback, Krasinski brinca com referências, acerta nos movimentos de câmera e, quando tudo dá errado, surpreende ao capturar a desgraça de forma frenética e angustiante.
Aliás, ação é algo bastante frequente na sequência. O antecessor já mostrava um flerte com o gênero, mas aqui isso é abraçado por completo, e o horror se torna apenas uma camada adicional ao invés do elemento central. Antes a tensão surgia nos momentos em que a família era caçada e precisava se manter em absoluto silêncio, mas isso deixa de ser uma preocupação tão grande agora que eles sabem como combater os monstros. Aqui, é comum que as situações rapidamente sigam pelo lado mais chamativo e explosivo, mas Krasinski consegue atingir um delicado equilíbrio ao deixar o espectador apreensivo em meio ao caos intenso. Só não espere muitos sustos.
Ajuda também que o elenco da continuação se entregue por completo. A morte de Lee é algo que atinge toda a família, e cada um dos membros demonstra luto de maneira própria. Emily Blunt carrega muito do filme nas costas ao ter que viver uma mãe em constante sofrimento pela perda do companheiro e pelos perigos cotidianos que vive, mas que precisa se manter de cabeça erguida pelos filhos. Já Noah Jupe impressiona pela sensibilidade, com Marcus descobrindo sua própria força e confiança em meio ao apocalipse. Millicent Simmonds já era um destaque do original e ganha mais espaço aqui. Conforme a trama se desenrola, a garota cada vez mais assume o protagonismo da franquia, e conquista a posição por ser altamente expressiva e empática. Emmet, o personagem de Cillian Murphy, não se destaca muito, mesmo tendo traumas e amarguras interessantes, mas funciona bem quando forma uma inusitada dupla com a menina, à la The Last of Us.
Pelo momento atual, Um Lugar Silencioso 2 é algo complexo de se discutir. Em um mundo em que tivesse saído na data original, é capaz que o filme não fosse muito longe – com uma bilheteria considerável, claro, mas com certeza criticado por ser uma sequência um pouco repetitiva que não sai do ponto de partida. O que torna o longa digno de ser assistido é justamente o que impediu de ser visto até agora: é uma experiência feita sob medida para ser vista nos cinemas.
No segundo ano de quarentena é fácil romantizar a telona, mas há obras que realmente se beneficiam de serem vivenciadas coletivamente. Essa é uma delas, com a tensão ganhando novos ares dentro da sala escura, lotada, no mais absoluto silêncio, sozinho mas acompanhado de vários outros estranhos. Assistir à continuação em outro contexto, na sala de casa, com a sempre presente tentação das distrações e dos ruídos do mundo exterior, ressalta muitos de seus defeitos. Infelizmente, visto que o pesadelo da pandemia ainda parece demorar para acabar, e que atos mundanos como uma simples ida ao cinema ainda têm um longo caminho pela frente para retomar o ar de normalidade, essa parece a experiência que muitos terão com o filme.