Especial: Uma vida atrás daquele balcão

Matéria publicada na edição 402 do Jornal Agora

Texto: André De Canini

O encerramento das atividades da Farmácia Sul América, até então a mais antiga de Mandaguari, me deixou bastante entristecido. Foi como se o fechar definitivo daquelas portas eliminasse também uma parte do meu passado e das minhas origens.

Quando meu pai, Luiz De Canini, começou a trabalhar lá, em novembro de 1960, a farmácia ainda pertencia ao “Seu Orlando” (Rodrigues Gomes). Recém-chegado da pequena Iepê, no interior de São Paulo, ele não teve dificuldade para conseguir o emprego. Além da experiência de já ter trabalhado no ramo, naquele estabelecimento também trabalhava seu primo Francisco

Pelo pouco que meu pai contava, era uma época em que muitos medicamentos ainda eram manipulados ali mesmo. Anos depois a Sul América foi adquirida pelo Francisco, que ficou à frente do negócio até 1984, quando o vendeu para o farmacêutico recém-formado Élio Ribeiro Marques, que o administrou até o começo deste ano.

Atrás daquele balcão meu pai passou a maior parte da sua vida. De forma indireta, minha mãe, eu e minha irmã também. “Seu Luiz” trabalhou ali até 2014, quando a idade avançada e os problemas de saúde agravados não o permitiram mais exercer o ofício ao qual tanto se dedicou. Durante mais da metade desses 54 anos nossa família morou nos fundos da farmácia e lá permaneceu mesmo depois da aposentadoria.

Enquanto estava na ativa, era comum meu pai fazer atendimentos fora dos horários de expediente. Não era nenhuma surpresa quando em uma madrugada fria ou num dia de Natal na hora do almoço, alguém batia palmas no portão pedindo para comprar um remédio, fazer um curativo ou uma “consulta”. Sim, há algumas décadas não havia Pronto Atendimento Municipal e quando alguém adoecia ou se machucava, antes de procurar um médico todo mundo buscava a opinião do farmacêutico de confiança. Se este não solucionasse o problema então se recorria ao profissional da medicina.

Como dá pra ver, os tempos mudaram. As normas para os procedimentos farmacêuticos são outras, vieram as grandes redes e o perfil do negócio se transformou. As farmácias se tornaram verdadeiras lojas de departamento, nas quais a área destinada à venda de medicamentos ocupa uma área minúscula na parte dos fundos. Neste mercado não há mais espaço para as “farmácias raiz”, como era a Sul América. Assim como aconteceu com os postos de combustível que só vendiam combustível, os armazéns de “secos & molhados”, as alfaiatarias, sapateiros, engraxates e tantos outros negócios que faziam parte da nossa vida no passado, elas também estão em extinção.

O mundo não para de evoluir. Como diz a canção “nada do que foi, será de novo o que já foi um dia. Plagiando o grande jornalista Ricardo Kotscho, é a vida que segue.