Sobre rodas, a saída da crise provocada pela pandemia

Janeiro de 2021 apresentou um crescimento de 1,03% no número de motocicletas e motonetas, com relação ao mesmo período analisado do último ano. Em um ano, mais 203 veículos automotores de duas rodas foram registrados junto ao Detran-PR, em Mandaguari. Em janeiro de 2020, 6.320 veículos deste tipo transitavam pelas ruas da cidade. Já no primeiro mês deste ano, 6.523 faziam parte do tráfego mandaguariense. Junto deste crescimento, foi notável o aumento no número de motoboys atuantes, devido a importância do delivery nos tempos de pandemia. 

O “abre e fecha” causado pelos lockdowns durante todo o decorrer do último ano foi extremamente prejudicial para a maioria dos comerciantes e empresários. Mas as medidas impostas pelos decretos também afetaram imensamente os proprietários de bares, lanchonetes e restaurantes de Mandaguari. Os donos, não só do comércio noturno, precisaram se adaptar às mudanças que a atualidade impunha na sociedade, mas nesse caso, não foi apenas o mundo digital que salvou esse ramo, e sim os famosos entregadores. 

Dois ramos distintos que deram as mãos e caminharam juntos para fugir da crise. Comprar alguma coisa pela internet e receber em casa através de um entregador sempre foi corriqueiro, pedir uma marmita, já era até hábito de boa parte da população. Mas chegamos a um ponto de flexibilidade onde você pode sentir calor e pedir um sorvete em casa, ter vontade de beber algo diferente em sua casa, e recorrer ao delivery de bebidas. Assim como a adaptação se mostrou necessária para as lanchonetes, os motoboys também precisaram “se virar nos 30” para dar conta de todas as entregas. 

Almir Araujo dos Santos, de 33 anos, faz parte da segunda geração de motoboys de Mandaguari, segundo ele, neste ano já estamos com a terceira geração formada. “Os que vieram antes de mim, e muitos que vieram junto comigo, já pararam com a profissão, muitos devido a acidentes. E agora tem essa terceira geração, que começou a trabalhar na profissão agora no meio da pandemia, muitos por falta de dinheiro e a solução foi sair para angariar o maior lucro possível”, disse ele. 

“O Brasil teve um aumento de 44,82% no número de motoboys atuando no delivery, que foi essencial para a abertura desse caminho. E a pandemia foi um divisor de águas, pois os restaurantes não pararam, e as pessoas não pararam de pedir comida de fora”. 

Santos, conta que diferente de muitas profissões, os novos motoboys não procuram buscar conhecimento com aqueles que já estão no mercado a décadas,isso resulta em uma desvalorização do trabalho de todos os entregadores. “Os mais novos que têm chegado  nesse mercado não procuram consultar os mais experientes para ter uma base de valores. E quando eles entram, eles cobram a diária deles por R$60,00, para fazer de 30 a 40 entregas por dia. E com o preço que o combustível está, ele gasta em média aí uns R$20,00 de combustível. Calculando tudo isso, ele tem um rendimento semanal de R$300,00 e a despesa de R$100,00 com combustível, o que não é rentável. Então, quando alguém entra no mercado, não se informa da base correta de preço a ser cobrado, o que por sua vez faz com que ganhe menos do que deveria, e aí acaba saindo do mercado, por falta de uma boa administração”.

Almir ressalta a importância da regularização do trabalho e aconselha a nova geração a não abrir mão de seus direitos. “Nós trabalhamos como autônomos. Eu trabalhei informal por muito tempo, mas fiz o meu MEI [Microempreendedor Individual], comecei contribuir para ter uma segurança e tenho meus benefícios como MEI. O que é muito bom para quem está prestando serviço e para quem está contratando. Pois você não vai ter um vínculo empregatício. Então com o MEI eu comecei a contribuir, o que me levou  a estar sempre amparado. Inclusive é uma coisa importantíssima para quem está começando agora, pois assim você tem acesso a um CNPJ, um amparo, um seguro de vida ou um plano de saúde empresarial mais barato, você pode registar alguém, entre outros”, explica. 

Além de suas rodas ágeis, suas mentes que funcionam como verdadeiros GPS, os entregadores do ramo alimentício ainda vieram munidos das startups que digitalizaram os restaurantes e lanchonetes de Mandaguari. O Ifood e o Aiqfome são aplicativos de delivery de comidas que sempre foram populares no Brasil afora. Mas no interior, esses aplicativos demoraram um bom tempo para se tornar comum, até porque, qual seria a razão para pedir através do aplicativo e não simplesmente ligar para a lanchonete para fazer o meu pedido?
Para atrair novos pedidos, as lanchonetes e restaurantes tendem a colocar que a entrega é grátis, mas Almir explica que ainda que a entrega seja grátis, isso não se torna prejudicial aos entregadores. “Os aplicativos não mudam muito nosso trabalho, pois aqui em Mandaguari, por exemplo, nós temos o Aiqfome, que passa para nós as entregas. Então, por mais que a empresa coloque lá que é grátis, o aplicativo nos paga por esse serviço. Nossas entregas continuam normais, não temos perda. E quando a empresa lança aquelas promoções acaba gerando um fluxo maior, o que é bom para eles e para nós”.

Segundo o entregador, que atua há mais de 10 anos nesse ramo, houve sim uma alta no número de motoboys em Mandaguari, mas isso não é constante, por conta da instabilidade do mercado, que também é sentida pelos comerciantes noturnos. 

Evandro Figueiredo, dono de uma lanchonete em Mandaguari e outra em Jandaia do Sul, relata que, assim como ele, os seus motoboys sentiram muito os efeitos do lockdown. Em março do ano passado, as mudanças eram positivas e, atualmente, não mais. “Antes tínhamos em torno de cinco entregadores. No início da pandemia subimos esse número para nove, e atualmente voltamos para os cinco entregadores, mas, caso o ritmo continue assim, vamos ter que diminuir o número de entregadores”. 

De acordo com Figueiredo, no início da pandemia a contratação de novos funcionários se mostrou necessária, junto da participação de mais motoboys para que todas as entregas fossem feitas de modo rápido. “Antes [da pandemia] fazíamos cerca de 120 entregas por dia no final de semana, mas nós chegamos a atender mais de 200 entregas”.  

Os trabalhos de um entregador e de uma equipe de um restaurante e/ou lanchonete devem  andar sempre juntos, porém, em tempos de pandemia, essa dinâmica, ainda que boa, tem sido muito incerta. “Devido ao movimento variado que nós temos, já houve dias em que eu precisei sair da minha lanchonete em Jandaia para atender a demanda daqui como entregador, mas varia muito, é um movimento de surpresa, tem dias que fazemos 30 entregas e tem outros que fazemos mais de 200”, relata Figueiredo.

Para João Paulo Rocco, dono de um restaurante, o delivery sempre foi um de seus ramos de trabalho, isso porque as marmitas sempre foram populares entre os moradores. Mas de acordo com ele, o aumento na demanda das entregas não é tão positivo para o seu negócio, quanto para seus entregadores. “A venda de marmitas, através do delivery, é menos lucrativa para nós, é mais interessante e rentável para nós que o cliente venha até o restaurante para consumir aqui, pois aqui ele toma alguma coisa, tem um momento de descontração, mas nós precisamos nos adaptar, temos que dar o nosso jeito para se encontrar nesse novo normal”.

Para dar conta de todas as entregas, o dono do restaurante mais do que dobrou sua equipe na cozinha e nas ruas. “No começo nós trabalhamos com dois entregadores e depois tivemos que acrescentar mais alguns, totalizando aí cinco motoboys nos sábados. Apesar de ter aumentado os nossos custos, também aumentou a demanda de mão de obra.  O delivery já fazia parte da nossa rotina, nós só tivemos que aumentar a demanda de mão de obra, de entregadores e de atendentes. Antes da pandemia nós trabalhávamos com dois motoboys  e atualmente, durante a semana, temos quatro entregadores, nos sábados, cinco, e no domingo, quatro”.

Mesmo com uma diminuição nos seus lucros, João Paulo, não deixa de priorizar seus entregadores. Eles se mostraram necessários para os comerciantes do ramo alimentício, e não o contrário. 

*Reportagem publicada na 367ª edição do Jornal Agora