Sem barganha! Creia, ainda que jamais alcance!
Finda uma década. Um bom marco para revermos um ciclo. Um jovem trabalhador de um lugar nas cercanias sonhava como todo jovem. Estudar, trabalhar, divertir, sentir-se parte do mundo. Certa vez, esse jovem tivera um sonho noturno. Nesse sonho, ele juntava doze potes com moedas douradas. Assim ele os via, mas quando ele ia pegar as moedas nas suas mãos, mergulhava-as em água dentro do pote. Ficou intrigado. Tudo isso era só mais uma obra do inconsciente, assim ele definia.
O tempo passou. O jovem que tivera uma boa oportunidade de realizar um curso de seu desejo e talento, graduou-se. Ele era reconhecido por ser genial no que fazia. Vieram-lhe as propostas de trabalho dentro de sua formação. Uma ascensão econômica lhe ocorria. Passou a frequentar círculos de uma vida de luxo, reservada a poucos. Em casa, precisou até mesmo contratar um empregado para seu apoio. Mas algo um dia lhe aconteceu e que marcaria profundamente sua vida.
Numa certa ocasião, o jovem patrão precisou ser internado às pressas num hospital. Passou por uma cirurgia de emergência. Todo respaldado pelos seguros que a sua companhia empresarial lhe fornecia. Esteve entre a vida e a morte. Mas estava à salvo. O risco de morte mexeu muito com ele. Num certo dia do mesmo período que esteve internado, o seu empregado lhe telefonou. Disse-lhe, em tom de consulta, se podia faltar naquele dia, pois ele teve que, por emergência, ficar de madrugada num hospital da região, numa fila de pacientes, aguardando o atendimento de uma filha sua. Disse que ainda estava na fila. E que ele achava que não ia dar tempo de chegar ao trabalho. O jovem patrão prontamente respondeu que sim. E este choque de realidades o fez repensar o mundo. Em que ele era mais que aquela criança? Ele estava respaldado num hospital particular por todo conforto possível. Os dias ali o fizeram reavaliar a vida profundamente. Traçou o caminho da desigualdade na sociedade. Descobriu quem paga o conforto de uns em detrimento a outros. E, inegavelmente, ele descobriu que seu empregado lhe dava essa condição pelo seu trabalho. E a mesma, ele não podia oferecer à sua filha.
Dentro de um curto prazo de tempo, o jovem foi abandonando os postos que sua capacidade e que as oportunidades lhe haviam feito alcançar. O que ele queria e acreditava, não estava mais no mundo que ele havia ascendido numa certa fase da vida. É claro, não faltaram-lhe propostas de evoluir nesse círculo. Até mesmo ameaças lhe foram direcionadas, caso abandonasse o que lhe era confiado até então. Algumas coisas lhe rondava a mente. E se instigava: “Quem teria sido Cristo se tivesse se aliado aos poderosos, corrido acovardado das ameaças, cedido à uma vida de confortos? Sua doutrina, talvez, não teria avançado por algumas décadas, tampouco seria conhecida por bilhões de humanos pelo mundo ao largo de dois mil anos”.
O jovem tomou uma decisão radical. Com todo seu conhecimento, única arma que possuía, ele passou a dedicar-se aos povos e pessoas mais desvalidas, vítimas da desigualdade no país e que além de tudo, sofriam preconceitos e eram tarjadas de criminosos.
Por períodos, optou a viver e sentir o que era o risco de genocídio com o Guaranis Kaiowas no Mato Grosso do Sul e com os Guajajaras no Maranhão. Esteve com crianças sem terras assombradas pela violência de despejos no Paraná e na Bahia. Morou com populações quilombolas em corredores da fome pelo interior de São Paulo. Viveu também com populações sertanejas do semiárido de Minas Gerais e do Ceará. Também esteve presente nas periferias empobrecidas de São Paulo, de Brasília, do Recife e do Rio de Janeiro. Construiu relações e descobriu o quanto humano é o povo brasileiro.
Das muitas lições que o jovem pôde adquirir, ele percebeu de que a riqueza não está no que acumulamos. Está no que produzimos e reproduzimos para saciar nossas necessidades. Teve um exemplo elucidativo de uma senhorinha sertaneja no Vale do Jequitinhonha, que havia dito ao jovem, agora um homem já bastante amadurecido: “Nos períodos de seca, se você embrenhar-se na savana do cerrado, e ficar perdido, poderá sobreviver se tiveres um corote d'água, mas não sobreviveria se seu corote contivesse ouro”. A metáfora do sonho que tivera na juventude tinha sido decifrada.
Esse homem que no seu íntimo cultiva sua fé nunca a usa como moeda de troca. Constrói sua trajetória de vida numa relação de entrega naquilo que crê, ainda que aquilo que ele crê e deseja alcançar, talvez seja algo impossível ou que nem mesmo exista. Mas ele insiste.
Que o Natal seja um tempo transformador em todos. Aos que creem, que o Cristo renasça de forma chocante, inesperada, desapegada, que seja para todo tempo e que permaneça. Quem sabe assim um novo tempo realmente existirá.
Em tempo, essa história se inspira na vida, na realidade e na prática de pessoas incríveis que conheci e reconheci em 2019.