A lição que as histórias em quadrinhos me ensinaram

Em 2019 faz 30 anos que resolvi, mesmo sem saber naquela época, que seria um colecionador de histórias em quadrinhos, ou, como dizem por aí, eu coleciono gibi. 
Só que lá no longínquo 1989 quem lia ou colecionava encontrava uma realidade muito diferente dos dias de hoje. Existiam pouquíssimos filmes, muitos ainda do inicio da década de 1980 ou até antes, como no caso do primeiro filme do Superman de 1978 ou a série do Batman, estrelada por Adam West, que era dos anos 1960.
Aluno leitor de gibi era sinal de preguiçoso. As HQs estavam longe de ser consideradas uma boa leitura ou uma leitura de qualidade, serviam apenas para passatempo. E naquela época já existiam alguns clássicos que hoje são leituras obrigatórias em algumas faculdades como é o caso de Maus de Art Spiegelman, obra que retrata a luta pela sobrevivência dos pais do autor durante a Segunda Grande Guerra. Única obra de História em Quadrinhos a ganhar o Prêmio Pulitzer.
Hoje quem lê, coleciona ou apenas é fã tem uma grande gama de itens colecionáveis que vão muito além das revistas. Isso sem mencionar o cinema, que na ultima década trouxe uma enxurrada de filmes de super-heróis e até mesmo adaptações de HQs que fogem desse tipo. Atualmente ser nerd é ser legal.
As histórias em quadrinhos mudaram muito desde o seu surgimento, que era apenas de fazer rir, nas tiras de jornais na virada para o século 20. Elas estão aí há mais de 120 anos, e deixaram de ser apenas um entretenimento que vai muito além da briga do mocinho contra o bandido ou da donzela em perigo.
Recentemente aqui no Brasil tivemos o caso de um desenhista que trabalha para Marvel Comics, dentro de um dos títulos mais vendidos e elogiados da editora, que uso do seu perfil no Twitter para comemorar a agressão que o jornalista Glenn Greenwald havia sofrido em um programa. A mensagem ficou pouquíssimo tempo no ar, mas o estrago já estava feito. A atitude do artista recebeu reprovações desde pessoas ligadas a ele diretamente e de fãs do seu trabalho. E reacendeu todo um debate sobre o papel social das histórias em quadrinhos e deu força ao movimento Quadrinistas Antifascistas, que já existia há algum tempo e é encabeçado pelos principais artistas nacionais. 
Em tempos de polarização, houve debates acalorados nas redes sociais em que pessoas defendiam a liberdade de expressão do artista e outros que defendiam boicotes ao seu trabalho ou a sua exclusão de eventos na qual ele era convidado.
Por outro lado tentou-se criar o Movimento Quadrinho sem Política, que praticamente nasceu e morreu no mesmo dia.
Hoje é praticamente impossível desassociar a política das principais obras das HQs, desde uma revista que tem circulação mensal ou a obras consagradas como o Cavaleiro das Trevas de Frank Miller, que há pouco lançou uma espécie de derivado da obra em parceria com o desenhista brasileiro Rafael Grampá, onde Miller faz duras críticas à política de extrema direita não poupando o presidente americano Donald Trump e muito menos o brasileiro Jair Bolsonaro. Ainda temos Watchmen escrita pelo inglês Alan Moore que traz a discussão sobre a Guerra Fria e a corrida nuclear que assombrou o mundo durante a década de 1980. É dele também V de Vingança, que apresenta um mundo distópico onde a arte se tornou crime e artistas eram enviados para campos de concentração, dentro de um regime ditatorial e extremamente controlador.
Dentro da América Latina talvez o maio expoente seja o Eternauta de 1969, quadrinho argentino escrito por Héctor Germán Oesterheld, é considerado mundo a fora como uma das mais influentes obras de ficção cientifica e no seu contexto traz críticas à ditadura militar no seu país de origem.
Nesses 30 anos de colecionismo de Histórias em Quadrinhos, comprei muito, ganhei algumas, li muitas revistas emprestadas, emprestei também, mas aprendi algumas lições. Sejam morais, políticas ou sobre qualquer assunto, é que devemos estar atentos e nunca fechar os olhos para temas que nos incomode.
Temos que debater sempre aceitando o ponto de vista das outras pessoas, aceitar o seu lado ou até a sua isenção política, suas opções sexuais ou religiosas. Nesses 30, anos eu aprendi a respeitar.