“Eu sou raiva”

JE NE SUIS PAS CHARLIE, je suis faché ao ver a matança, fruto venenoso do fanatismo religioso, como aconteceu no atentado a revista Charlie Hebbo na França.

EU NÃO SOU CHAPE, sou raiva ao receber de madrugada a notícia que a ganância em ter lucro fácil derrubou um avião, por falta de combustível no tanque, e matou uma delegação de jogadores de futebol, jornalistas e tripulantes. Famílias das vítimas ainda brigando por uma indenização e culpados escapando de punções.

EU NÃO SOU JUVENTUDE, sou raiva ao assistir a morte por asfixia de 242 jovens que se divertiam em uma boate e foram surpreendidos quando a irresponsabilidade de uma apresentação com fogo, provocou incêndio em prédio sem saída de emergência e com total falta de fiscalização de segurança por parte de “autoridades competentes”.

EU NÃO SOU MARIANA, sou raiva ao saber que o rompimento da barragem do Fundão poderia ser evitado se as falhas de fiscalização dessem lugar ao trabalho de prevenção, e vidas seriam salvas se as recomendações de remover a população que vivia abaixo da barragem fossem escutadas.

EU NÃO SOU BRUMADINHO, sou raiva ao constatar que Mariana não serviu de exemplo e que avisos de perigo continuaram sendo ignorados. Mais de 150 mortes confirmadas e outras 160 almas desaparecidas, e os responsáveis prometendo “contribuir” com 100 mil reais para cada família das vítimas. Minha raiva é controlada para não dizer onde “os senhores do engenho” devem colocar a sua esmola.

EU NÃO SOU RIO DE JANEIRO, sou raiva ao receber notícias de desmoronamento constantes em áreas de preservação que deveriam ser conservadas e admiradas, mas são espetáculos bizarros de edificações sem estrutura feitas sob o beneplácito de quem deveria cuidar.

EU NÃO SOU CULTURA, sou raiva pelo descaso com nosso patrimônio histórico e cultural que permite a destruição pelo fogo, em 10 anos, de 8 prédios com tesouros culturais e científicos, entre eles o Museu da Língua Portuguesa em São Paulo e o Museu Nacional no Rio de Janeiro.

EU NÃO SOU FLAMENGO, eu sou raiva ao assistir a morte de jovens que, espelhados nos ídolos do futebol, tinham o sonho que foi queimado junto com as instalações de um alojamento que, segundo informações, possuía licença para ser estacionamento. Sem alvará para funcionamento, sem projeto de edificação e que apesar de 30 notificações e um lacre, continuava abrigando jovens sonhadores e funcionários. A mais recente informação de um sobrevivente é que o ar condicionado, onde o fogo teve início, tinha uma ligação “gambiarra”.

E finalmente EU NÃO SOU BRASIL, sou totalmente raiva ao lembrar da morte da Missionária Doroty Stang, de Chico Mendes, de Celso Daniel, de Anderson e Marielle, dos dois jovens de Curitiba em acidente causado por um político alcoolizado, do cinegrafista Santiago atingido por um rojão em manifestação na Central do Brasil, da Juíza Patrícia Aciolli morta em São Gonçalo por quem deveria garantir a segurança e, entre tantos atentados, lembro também da facada no candidato Bolsonaro.

E caminhando e pensando, passo pela frente de uma Escola de Ensino Fundamental e ouço vozes de crianças cantando. Paro curioso e expio. Crianças na fila em posição de respeito olhando em direção à Bandeira, cantam o Hino Nacional. O coração acelera e, por um momento, deixo de ser raiva para ser crente em um País que ainda tem jeito”.  Oremos para isso e por inocentes vítimas.

“Brasil! Mostra tua cara, quero ver quem paga pra gente ficar assim. Brasil! Qual é o teu negócio? O nome do Teu sócio? Confia em mim” – Cazuza.