“Eu sou determinado”

São as palavras do ciclista Carlos Henrique Faria, atropelado por um caminhão após o treinamento em janeiro na PR-444 

 A noite de 11 de janeiro de 2023, dificilmente vai sair da lembrança do ciclista Carlos Henrique Faria de 37 anos. O ciclista foi atropelado por um caminhão na PR-444, quando voltava para casa após ter encerrado seu treinamento naquele dia. 

Pouco mais de onze meses se passaram e Carlos segue em recuperação, tanto dos ferimentos físicos quanto dos psicológicos.

Carlos recebeu a reportagem do Jornal Agora em sua casa no Jardim Cristina, onde relatou a difícil rotina na luta para recuperar o total movimento das pernas. Carlos Henrique, antes do acidente, se preparava para as provas que disputaria no ano de 2023. Ele mantinha uma rotina com treinos diários, “Eu acordava de terça e quinta, às 5 da manhã, ia para a academia, treinava musculação, aí chegava em casa, tomava banho e ia para o trabalho”. Faria era encarregado de produção em uma metalúrgica localizada no parque Industrial II. “Trabalhava o dia todo, aí eu saía do serviço, como era lá no Parque Industrial, eu voltava pela pista de bike mesmo, chegava em casa, se trocava, saía treinar. Cerca de 18h30, eu estava na estrada treinando, aí treinava de segunda a segunda.”, conta.

Com uma média de 60 km percorridos entre segunda à sexta e cerca de 100km no sábado e às vezes dobrando essa quilometragem no domingo.

No dia do acidente, Carlos realizava um treino específico, determinado pelo seu treinador, “O treinador especificava a intensidade que ia rodar. No dia do acidente eu fui fazer treino específico de subida, lá no paredão de Pedra. O treinamento que eu estava fazendo era visando as competições do ano. E fui fazer treino de subida, aí eu subi e descia até o Rio Dourados umas 12 vezes. Aí eu vindo embora, passei pelo trevo, eu lembro que eu passei e vinha até o redutor para entrar no Jardim Cristina”.

Depois da passagem do trevo, Carlos disse que não se lembra de mais nada. “Eu liguei pra minha esposa e para um amigo no Corpo de Bombeiros, mas eu não lembro o que que eu falei”.

O motorista do caminhão, que era um guincho, parou e sinalizou o local do acidente com cones. O ciclista ficou caído sobre a via da direita. Segundo Carlos, o motorista contou que quando sinalizava, o atleta que estava desmaiado, voltou e rolou sozinho para o acostamento. “Foi meio que um instinto, sei lá, de sair da pista”.

No momento do acidente Carlos seguia pelo acostamento, “Estava no acostamento, até que na pancada do meu capacete quebrou o para-brisa bem do lado do passageiro”. Carlos conta que até hoje não sabe ao certo como o acidente aconteceu, pois no local não possui câmeras.

Com o impacto, o ciclista teve várias lesões, “Tive várias fraturas na coluna, lesionei as vértebras C3 a C4, a T6, T10, T11 a T12 e L2. A T12, ela esfarelou, aí eu tive que fazer uma cirurgia de interligar T10 com T11, e a 12 com um pino e uma chapa para compensar. Ainda quebrei 5 costelas do lado esquerdo que perfurou o pulmão e quebrei a escápula esquerda e várias escoriações, quebrou meu dente”.

Durante a internação Carlos desenvolveu três escaras, por conta de ter ficado deitado sem poder se mexer. “Pelo acidente, eu fiquei uma semana no hospital. Quando eu voltei, para casa, passava pomada, que foram receitadas pelo médico, só que uma não fechou, e ela foi infeccionando, deu uma infecção generalizada. Aí eu fui internado, aí nessa internação eu fiquei 17 dias no hospital. Dez dias eu fiquei entubado em coma induzido”.

Durante esse período Carlos fez três cirurgias para retirada de pele e músculos necrosados. A ferida tinha em torno de 15 cm. “Grande, ela chegou no osso do cóccix e no osso da bacia”.

A esposa de Carlos postou várias etapas do seu processo de recuperação do atleta nas redes sociais. Segundo ele, foi um momento complicado passar por aquele processo, “Para o homem já é difícil. Hoje, você anda normal, vai para o seu trabalho, vai buscar seu filho na escola e de um dia para o outro, você cai em uma cama. Você depende de alguém, tipo a cabeça da pessoa fica a um milhão. Você não sabe nem o que faz. No começo eu não aceitava, sabe? No começo acho que é umas duas semanas ali. Minha esposa fala que eu estava muito nervoso. Qualquer coisa me irritava, qualquer coisa que falava, eu estava muito nervoso. Porque eu dependia de alguém para tudo, para ir no banheiro dependia de alguém, para tomar uma água dependia de alguém”.

Dias depois Carlos recebeu do médico o diagnóstico que poderia perder o movimento parcial ou total das pernas, “O acidente foi numa quarta eu fiz a cirurgia da coluna no sábado. Na sexta-feira, o médico chamou minha esposa e minha mãe pra conversar, aí ele falou para elas assim, ‘Pode ser que o Carlos não ande mais, pode ser que o Carlos fique na cadeira de rodas, pode ser que o Carlos ande no andador’. Mas o caso era de quase 100%, de ficar numa cadeira de rodas porque ele falou que se ele não fizesse essa cirurgia, eu não ia conseguir sentar e equilibrar, não ia ter aquela sustentação, ao sentar eu ia cair de lado. Faz uns 2 meses, eu fui nele, eu já estava com a muleta ele falou, que eu estando assim, é um verdadeiro milagre. Que estou fazendo coisas que ele nunca imaginou que faria”.

Afastado das suas funções desde o acidente, tem pelo menos mais um ano pela frente para prosseguir com a reabilitação. Com uma rotina de ir praticamente todos os dias à Maringá, onde ele faz tratamento de segunda a sexta na câmara hiperbárica. Que é um tratamento de oxigênio para fechar a ferida. A reabilitação, que Carlos faz em uma clínica de fisioterapia em Maringá de segunda e quarta e de terça e quinta, em uma clínica de Mandaguari.

Aos poucos Carlos está readquirindo a mobilidade, primeiro com o uso de um andador e agora com o uso de um par de muletas. “Minha esposa fala que assim eu sou muito determinado. Durante um tempo minha mãe me levou para Maringá, um dia eu sai da hiperbárica e falei pra minha mãe, eu quero comprar um andador pra mim. Aí passamos lá no centro de Maringá, para comprar um. Aí eu comecei a andar com um. Na clínica têm aquele corrimão que você anda segurando nas barras, aí depois de um tempo eles começaram a me treinar com as muletas. Só que lá você, você anda, e se desequilibra tem um amparo. Eu comecei a treinar lá, passou um tempo eu falei pra minha esposa, que queria uma muleta. Passamos na loja e compramos a muletas”.

Na época da entrevista fazia um pouco mais de um mês que Carlos estava se adaptando ao uso das muletas, “Se eu vou num lugar, que vou andar muito, como no mercado, aí eu vou de cadeira de rodas, ando meio devagar. Eu falei pra minha esposa, que até o final do ano, quero tentar andar com uma muleta só. Até final do ano, eu quero tentar andar com uma muleta e futuramente tentar andar sem nenhuma ou com a bengala. Que eu quero tentar andar normal”.

Bem ciente da sua situação, Carlos, relata que sabe que terá sequelas dado a gravidade do seu acidente, “Eu sempre falei alguma coisa eu vou ficar, vai chegar um ponto que eu vou ter que voltar a trabalhar. Quando eu voltar, eu já vou ter que ir ciente que eu não vou poder pegar muito peso. Por causa da lesão na coluna. Eu tenho que me readaptar”.

Além de um dia poder abandonar de vez a dependência das muletas ou de uma bengala, Carlos relata o desejo de voltar a pedalar, não em competições como fazia antes, mas por lazer, “Eu dedicava muito tempo para o ciclismo. Agora, com o acidente, eu vi que às vezes eu perdia tempo com a minha família por causa da bicicleta. Quero andar assim, mas para curtir, num sábado, ficar em casa no domingo com a família. Mas eu quero andar de bicicleta, quero voltar a andar, mais não igual antes. Eu acho que não consigo mais”.

Depois de passar por toda essa situação, a reportagem perguntou a Carlos o que ele tirava desse momento complicado, “Cara, eu vi o quanto as pessoas me amavam, quando eu mais precisei, pessoas assim que eu nem conhecia me ajudaram. Eu vi que o mundo ainda não está perdido. Existe muitas pessoas boas ainda de coração bom. E eu não achava que eu era tão amado assim. Deus me mostrou isso”, conclui Carlos.