Cinco décadas de luto

*Reportagem publicada na 401ª edição do Jornal Agora

Um era apaixonado por motos e música. O outro, um talento nato do futebol. Com gostos distintos, como água e vinho, os irmãos Olívio e Odair Schincariol eram inseparáveis. Jovens, com uma história toda pela frente, infelizmente perderam suas vidas em um trágico acidente durante a madrugada do dia 13 de maio de 1973 na SP-280, a Rodovia Presidente Castelo Branco, no estado de São Paulo.

Na última segunda-feira, dia 15, uma missa realizada na Paróquia Nossa Senhora Aparecida celebrou a memória dos irmãos, em uma cerimônia emocionante. A reportagem do Jornal Agora ouviu familiares e conta em detalhes como a família lidou com essa tragédia, e encontrou no apoio de amigos a força para seguir em frente.

A família

Em 1938, a família Schincariol se mudou para Mandaguari, vinda de São Paulo. Vieram Otávio, seus pais e sete irmãos. Logo se instalaram na região onde hoje é a Vila Vitória. E a família cresceu. Otávio conheceu Terezinha Basseto, com quem se casou e teve seis filhos: Bárbara, Olívio, Odair, Jorge, Tavinho e Maria Teresa.

Na década de 1950, os irmãos de Otávio foram se mudando para outras cidades, enquanto ele e a esposa continuaram por aqui, abrindo o Empório São Paulo em 1957. A “venda do Otávio”, de secos e molhados, ficava na Rua Renê Táccola, ao lado do atual destacamento da Polícia Militar. No mesmo terreno da venda, ficava também a nova casa da família.

“Meu pai na época tinha pouca instrução, mas era bom de contas. Ele era um bom comerciante. A família Schincariol toda sempre foi. Meus tios que saíram da Vila Vitória, um foi pra Cruzeiro do Oeste, outro foi pra Paranacity, outro voltou pra São Paulo. E meu pai estava, digamos assim, numa ascensão financeira, tinha a venda, tinha sítio produzindo café”, lembra Jorge Schincariol em entrevista ao Jornal Agora.

Olívio e Odair

Odair e Olívio cresceram e viveram a maior parte de suas vidas na casa da esquina. Com Jorge e Tavinho, foram coroinhas na paróquia Nossa Senhora Aparecida. A família não perdia uma missa das 6h da manhã, todos os domingos.

Bárbara, a irmã mais velha, conta que a convivência era muito tranquila, e era mais próxima de Olívio. “A gente saía muito junto pra baile, pra tudo que é lugar. Ele andava muito de moto, e nunca tomou uma gota de álcool, sabe? Ia nos bailes e tomava água, tomava leite, o povo até ria. Mas era muito prestativo”, detalha.

Olívio com sua moto HRD/Foto: Arquivo pessoal

Jorge lembra que o irmão tocava em uma banda, e fazia amizade de forma fácil. “O Olívio conhecia todo mundo. O pessoal brincava que ele tinha mania de ir no bar Guairacá e, enquanto a turma bebia, ele pedia uma vitamina de leite com abacate, e sem açúcar ainda. E ele teve a primeira moto dele com 13, 14 anos”.

Odair com o Fusca da família, carro que ele conduzia quando sofreu o acidente/Foto: Arquivo pessoal

Por outro lado, Dáia, como era chamado carinhosamente pela família e amigos, alimentava outra paixão, o futebol. “O pessoal falava que ele era um craque nato. Ele chegou a jogar no Paulistinha. O Odair era muito novo e levava uma vida bem tranquila e regrada. A nossa convivência era muito boa, muito tranquila”, acrescenta Jorge, detalhando ainda que o irmão era fanático pelo Santos.

O acidente

Alguns meses antes do acidente, Olívio, então com 21 anos, foi passar um tempo em Piracicaba, no interior de São Paulo. “Na época a gente tinha um tio morando lá. Ele foi pra trabalhar com esse tio. Só que meu pai estava precisando de ajuda nos negócios e chamou ele de volta”, conta Jorge.

Quando morou no interior paulista, Olívio conheceu uma jovem com a qual chegou a namorar. Ao voltar para Mandaguari, ele tinha se comprometido a ir na formatura dela, no dia 12 de maio, véspera de Dia das Mães. O combinado era o mais velho dirigir na ida, e o mais novo na volta, para que os dois chegassem em Mandaguari na data comemorativa.

Com o baile de formatura encerrado, os irmãos entraram no Fusca da família, com Odair, então com 18 anos, na direção, e pegaram a pista rumo a Mandaguari. Na Castelo Branco, próximo a Tatuí, o carro bateu na traseira de um caminhão.

“Nós estávamos no velório do filho de uma prima da minha mãe, que tinha sofrido acidente de carro. E alguém ligou, até hoje não sabemos quem foi, falando que eles tinham sofrido um acidente. Pela notícia que veio, a gente não achou que eles tinham morrido”, relata Bárbara.

“Fomos em Londrina, pegamos um táxi aéreo e fomos até Tatuí. Chegando lá, nós achamos que eles estavam no hospital, vivos. Quando meu pai e minha mãe se afastaram, a freira falou pra mim ‘não, filha. Eles morreram’. Eu lembro que tinha uma imagem bem grande de Cristo, abracei e falei ‘é isso que você dá pra minha mãe no Dia das Mães?’”, conta a irmã mais velha à nossa reportagem, enquanto começa a chorar lembrando do episódio.

No necrotério, Bárbara, ainda com 22 para 23 anos, viu os corpos dos irmãos jogados em uma folha de zinco. “Foi horrível. A minha mãe dizia que eu desmaiei várias vezes. Meu pai, se via ele com a camisa aberta e correndo. E a minha mãe ajoelhou do lado deles e ficou. Chorando e rezando”.

Na época do acidente, Jorge tinha 16 anos e estava morando e estudando em Curitiba. Ele conta que recebeu a notícia no final da manhã. Pegou um táxi e voltou para Mandaguari no mesmo dia, chegando durante a noite.

Luto e acolhimento

Os corpos de Olívio e Odair chegaram na segunda-feira, dia 14 de maio. Prefeito à época, Antônio Galera decretou luto oficial. Houve uma missa de corpo presente na paróquia Nossa Senhora Aparecida, e um cortejo fúnebre que mobilizou toda a cidade.

O enterro dos irmãos Schincariol, em 1973/Foto: Arquivo pessoal

Bárbara conta que o luto se abateu sobre a família, e que nessa hora a comunidade se mobilizou para dar apoio. Tanto ela quanto Jorge lembram que, por pelo menos seis meses, a casa dos Schincariol vivia recebendo visitas de amigos. “O padre Agenor [Cavarçan] ia todo dia em casa almoçar com a gente. Ele falava ‘pra vocês terem que cozinhar’. Porque se não, a gente não cozinhava. Nós sofremos, mas quem mais sofreu foram meu pai e minha mãe”, afirma a irmã mais velha.

“Nós tínhamos seis propriedades rurais, que meu pai falava que era uma pra cada filho. Ele perdeu tudo. Perdeu a casa, perdeu o armazém. Ele se entregou. Minha mãe vivia na cama, pelos cantos”, aponta Bárbara.

Jorge lembra que, dois anos depois da tragédia, em 1975 veio a grande geada que destruiu pés de café em todo o Paraná. “A tristeza se abateu muito sobre o meu pai. Enquanto ele tinha condições, ia no cemitério todos os dias pra visitar o túmulo dos meus irmãos. Ia a pé, de kombi, do jeito que conseguia. Só parou no final da vida. A minha mãe a mesma coisa”, pontua.

“Meu pai morreu com 93 anos, em 2019. Minha mãe morreu em 2018. E pra somar tudo isso, um ano antes da minha mãe falecer, morreu o Tavinho, devido a problemas de saúde. Nessa época, minha mãe ainda estava com a cabeça boa, sentiu muito. O meu pai já não estava tão lúcido”, conclui.

Hoje

Dos filhos de Otávio e Terezinha, estão vivos Bárbara, Jorge e a mais nova, Maria Teresa, todos ainda morando em Mandaguari. Desde aquele 13 de maio de 1973, o Dia das Mães nunca mais foi o mesmo na família.

Jorge Luiz e Bárbara Schincariol em entrevista ao Jornal Agora. Fotos: Rogério Curiel/Agora Comunicação

A missa da última segunda-feira foi um momento onde os Schincariol puderam agradecer o apoio de toda a comunidade durante todos esses 50 anos, e compartilhar mais uma vez as memórias que carregam em seus corações, como deixa claro a homenagem feita na celebração, e que tomamos a liberdade de citar para concluir esta reportagem.

“Nas lembranças da Missa de sétimo dia haviam algumas frases que simplificam aquele acontecimento. Uma: ninguém morre quando está presente no coração de alguém, e outra: saudade é aquilo que fica daquele que não ficou.

Nossa amiga Eliane Maria disse que ao passar por esta vida, cada um tem seu tempo, no tempo de Deus. Uns passam rapidamente, mas o suficiente para deixarem marcas eternas em nossas lembranças.

Foi exatamente isto que aconteceu com nossos irmãos Odair e Olívio: ficaram pouco tempo conosco, um 18 e outro 21 anos, tiveram uma vida terrena curta, porém com um brilho tão intenso que, mesmo 50 anos depois ainda os sentimos, ainda os ouvimos, ainda os vemos”.