A história viva de Mandaguari

Filha dos pioneiros Aleixo Leão de Oliveira e Maria Augusta de Oliveira, Afra de Oliveira, 78 anos, recebeu a reportagem do Jornal Agora em sua casa para um bate papo sobre a história de dos primeiros anos de Mandaguari. História que por muitas vezes se confunde com a da sua família.

A família chegou em Mandaguari em 15 de novembro de 1939, vindo do sul de Minas Gerais. A viagem durou quatro dias, entre o trem “Maria Fumaça”, e a jardineira que fazia o transporte entre Londrina e Mandaguari.

Conforme relatado por Afra, a família decidiu mudar-se para o Norte do Paraná, após ver um panfleto, que na época era jogado de avião em algumas regiões. Na peça publicitária, a Companhia de Terras falava sobre as vantagens de ter um lote na região.

E lá pelas bandas de Minas Gerais corria a fama de que nas terras do norte do estado paranaense podia-se puxar ouro com o rastelo e que o solo era tão fértil que podiam ser ensacados como adubo.

Quando o senhor Aleixo desembarcou com a esposa e três filhos pequenos, Mandaguari eram como descrito por ele em seu livro Impressões de uma Vida, “um arraial com mais ou menos 100 habitantes, numa clareira em meio à mata virgem, e que residiam em casas construídas de tábuas de perobas e cobertas de pranchetas de cedro”.

Tempos difíceis

No livro Minha Princesa do Norte, Maria Augusta faz um breve relato desde a saída da família do estado mineiro, enfrentando estradas rudimentares em uma jardineira (um tipo antigo de ônibus) para depois embarcarem em um trem até a Estação da Luz em São Paulo.

A família fez a viagem no vagão de segunda classe em bancos de madeiras que não tinha inclinação. O funcionário responsável pelos tickets também vendia dentro dos vagões o café da manhã como as demais refeições como almoço e jantar. Os vagões das segundas e terceiras classes eram chamados de vagões de passageiros dos pés descalços.

Na capital paulista, a família foi até o escritório da Companhia de Terras Norte do Paraná, onde foram fornecidas as passagens até a cidade de Londrina.

A chegada a Londrina foi no dia 14 de novembro, e a viagem até Lovat ficou para do dia seguinte, já que por conta da grande distância a jardineira que fazia o trajeto entre as duas localidades circulava apenas uma vez ao dia.

A família embarcou na manhã seguinte na jardineira Catita, que sacolejava como uma carroça devido as imperfeições da estrada, causadas pelo intenso tráfego de caminhões de mudança e pelo transporte de toras de madeira de lei que iam para o Porto de Santos e de lá seguiam para a Inglaterra.

O transporte não oferecia nenhuma segurança, era toda aberta e as crianças viajavam na parte do corredor. Os homens por muitas vezes eram obrigados a desembarcar para desatolar o veículo quando esse caia em algum atoleiro ou desencalha-lo de algum buraco da estrada.

Lovat era um povoado em meio a mata, a família passou a primeira noite em um hotel de mesmo nome da localidade, que pertencia a companhia, que ficava incrustrado em meio a resto de troncos queimados.

Inferno verde

Na conversa com dona Afra, ela relatou que os primeiros anos da família no local foram difíceis, e muitos dos primeiros moradores desistiram de morar aqui por não suportarem as condições adversas do local. “Meu pai precisou ir até Londrina para comprar tecidos para fazer roupas compridas, tinha muitos mosquitos devido ao mato. As condições eram tão difíceis que muitos dos moradores venderam seus lotes e foram embora, chamavam aqui de Inferno Verde”.

A mãe, por sua vez, precisava ir até uma mina d’água, que pertencia à companhia colonizadora, para lavar roupa e por algumas vezes junto com outras mulheres foram obrigadas a abandonar suas roupas no local por ter ouvido rugido de onça.

Afra conta de quando o seu pai, Aleixo, no fim do dia pegava os filhos para passear. “Morávamos na Rua João Ernesto Ferreira e meu pai pegava a gente, vínhamos até aqui onde é a Rua Luiz Trintinalha, que na época ainda era só mato, e dava para ouvir a bicharada”, relata.

Agência dos Correios

Após um período de muitas dificuldades por conta de uma doença da mãe, o que obrigou a família vender o lote de terra que tinham comprado, Aleixo foi convidado a trabalhar na Companhia de Terras. O pai passou a ser auxiliar do engenheiro Antônio Labiack, agrimensor da companhia.

Por sugestão do Dr. Wladimir Babcov e Dr. Rufino Maciel, que perceberam a capacidade e o conhecimento do senhor Aleixo, incentivaram-no a fazer um abaixo assinado no povoado, que seria enviado ao Ministério das Comunicações, solicitando a instalação de uma agência dos Correios em Lovat.

Na ocasião, o povoado já tinha a necessidade de uma agência, devido ao grande acumulo de correspondência nos balcões da Companhia de Terras.

Em 1944, após muito trabalho Mandaguari ganha a sua agência dos Correios, a primeira da região.

A primeira agência dos Correios foi instalada na residência do senhor Aleixo e como a região era grande e o serviço era intenso. Sendo o único funcionário, ele não dava conta de todo o trabalho. Era comum a família ajuda-lo, com turnos de trabalho que passavam de 12 horas, começando as 8 horas da manhã e se estendendo até as 22 horas, sob a luz de lamparinas.

Após alguns anos de trabalho a agência recebeu a visita o inspetor regional de Departamento dos Correios e Telégrafos, que elogiou o trabalho local, porém, achou injusto o trabalho realizado pior toda a família sem nada receber. E prometeu tratar do assunto pessoalmente junto ao Ministério da Comunicação.

Tempos depois dona Maria Augusta, após um teste qualificatório foi nomeada funcionária dos Correios, a primeira mulher a ter um cargo público federal na região, função que exerceu até sua aposentadoria.

Outro fato é que as agências dos Correios funcionaram em propriedades das famílias, sendo o último na Rua Interventor Manoel Ribas, antes da conquista de um prédio próprio, onde está até os dias de hoje.

Aleixo Leão de Oliveira faleceu no dia 9 de maio de 2003 e Maria Augusta de Oliveira faleceu no dia 11 de novembro de 2020.

Projeto Raízes

No início dos anos 2000, Afra de Oliveira foi uma das idealizadoras   de um projeto que resgatava e homenageava os pioneiros de Mandaguari. Batizada de Projeto Raízes a ideia nasceu depois da família encontrar uma carta escrita pelo pai, na qual descrevia a intenção de homenagear as primeiras famílias que chegaram e aqui ficaram e contribuíram para construção e desenvolvimento de Mandaguari.

Foram reunidos objetos e fotos em uma casa de madeira que retratava uma moradia dos pioneiros que ficou em exposição durante algum tempo de forma provisória na Praça Independência. A intenção era que do Projeto Raízes fosse criado um museu, onde abrigaria todos esses objetos, contando as histórias das famílias da época da colonização. Porém, até hoje o museu não saiu do papel.