Quinze anos atrás, corrida de seis carros em Indianápolis entrou para a história da Fórmula 1
Dia 19 de junho de 2005, quinze anos atrás. A Fórmula 1 viveu em Indianápolis um dos dias mais lamentáveis de sua história. Não por um acidente fatal, um jogo de equipe infeliz, ou uma atitude suja de algum piloto. Por falhas estruturais em seus pneus, as equipes clientes da Michelin simplesmente mandaram seus pilotos recolherem seus carros aos boxes no fim da volta de apresentação. Apenas seis pilotos, das equipes clientes da Bridgestone (Ferrari, Jordan e Minardi), partiram para o GP dos EUA. Uma cena triste. E histórica.
Tudo começou com um recapeamento do asfalto de Indianápolis na curva inclinada de entrada da reta dos boxes – no caso do circuito oval, a curva 1. A Bridgestone, que fornecia pneus para equipes da Fórmula Indy por intermédio da marca Firestone, percebeu problemas com seus compostos no novo asfalto. Por isso, mudou seus pneus para a F1. A Michelin não tinha ciência disso e, baseada nos dados dos anos anteriores, levou seus compostos planejados.
No treino livre, o brasileiro Ricardo Zonta, terceiro piloto da Toyota, saiu da pista devido ao estouro do pneu traseiro esquerdo. Logo depois, o titular Ralf Schumacher, que tinha sofrido um forte acidente na curva 13 na corrida de 2004 por um furo de pneu, teve outra batida naquele local pelo mesmo motivo. O alemão não teve lesões como no ano anterior, mas foi vetado para a corrida. Zonta foi mantido para o restante do fim de semana.
A Michelin entrou em pânico e mandou buscar novos pneus às pressas. Depois de Jarno Trulli (Toyota) conquistar a pole position ainda com os pneus de especificação problemática, os compostos usados no GP da Espanha chegaram aos EUA no domingo, mas eram diferentes da especificação original. Seria necessária uma autorização especial dos comissários, o que iria contra o regulamento. Ao mesmo tempo, o fabricante informou às suas clientes (além da Toyota, as equipes BAR, Renault, McLaren, Williams, Sauber e RBR) que não descobriu o motivo do colapso dos pneus levados para Indianápolis e não era possível garantir a segurança dos compostos por mais de dez voltas.
Começaram a surgir propostas para tentar realizar a prova de forma normal. A ideia apresentada pela Federação Internacional de Automobilismo (FIA) foi que as equipes clientes da Michelin pedissem aos seus pilotos que reduzissem a velocidade na curva 13, o que, dessa forma, atenuaria a carga lateral nos pneus – vale lembrar que em 2005 não era permitida a troca de pneus, a não ser em caso de danos. Mas a proposta que ganhou força entre as escuderias foi a construção de uma chicane temporária no local para quebrar a velocidade.
Foi convocada, então, uma reunião de emergência para as 10h de domingo. Foram convidados Bernie Ecclestone, então detentor dos direitos comerciais da F1, Tony George, presidente do autódromo de Indianápolis, Pierre Dupasquier e Nick Shorrock, da Michelin, e todos os dez chefes de equipe. Apenas Jean Todt, da Ferrari, não compareceu. Nesse encontro, prevaleceu a ideia da construção de uma chicane na curva 13.
Cliente da Bridgestone, a Ferrari recusou a ideia, alegando que se a Michelin não fora capaz de levar pneus adequados para Indianápolis, a equipe não tinha nada a ver com isso. Importante frisar que a Ferrari vinha tendo um ano difícil justamente pela ineficiência dos pneus Bridgestone em condições de corrida, e, sem as principais forças daquela temporada, teria uma grande chance de vencer. Da mesma forma, o presidente da FIA, Max Mosley, vetou a ideia da chicane.
Chegou-se a cogitar a realização de uma corrida – com chicane na curva 13 – sem a participação da Ferrari e a chancela da FIA, o que tornaria o GP dos EUA uma prova extra-campeonato. As nove equipes chegaram a selecionar pessoas às pressas para fazer as vezes de diretor de prova, delegado técnico e até piloto do safety car. Os times, então, fizeram essa proposta aos pilotos numa outra reunião. A dupla da Ferrari não opinou e deixou a decisão de correr ou não nas mãos de Jean Todt.
Depois de mais essa reunião, as nove equipes informaram que, se a FIA não tomasse uma decisão favorável aos interesses do esporte, não correriam. O problema é que Collin Kolles, da Jordan, roeu a corda e resolveu participar da corrida. Um dos principais articuladores na tentativa de salvar o evento com grid cheio, Paul Stoddart, da Minardi, depois decidiu correr após exigência da Bridgestone e pela sua relação com Max Mosley.
Esgotadas todas as tentativas, Stoddart, Ecclestone e os sete chefes das equipes que sobraram decidiram que os pilotos com pneus Michelin em seus carros dariam a volta de apresentação e entrariam nos boxes, deixando apenas os competidores de Ferrari, Jordan e Minardi terminarem de se deslocar até o grid. Dito e feito. Quando 14 dos 20 pilotos desistiram da corrida, o público vaiou imediatamente. Alguns atiraram latas de cerveja na pista. Boa parte dos torcedores começou a deixar o autódromo, e a polícia foi chamada para conter eventuais tumultos.
Nesse climão, Michael Schumacher, Rubens Barrichello, Tiago Monteiro, Narain Karthikeyan, Patrick Friesacher e Christijan Albers largaram para as 73 voltas. Obviamente, foi uma corrida sem graça, exceto pelo fato de que Schumacher e Barrichello dividiram a curva 1 após o último pit stop do alemão, e o brasileiro teve de sair para a grama. Schumi venceu a prova, e Rubinho não escondeu o desconforto por ter sido orientado pela Ferrari a tirar o pé no fim.
– Estava acelerando o máximo que podia até que eles pediram para que eu reduzisse o ritmo. Sou um brasileirinho tentando lutar contra esse mundo muito grande – disse Barrichello, que depois revelou ter sido o GP dos EUA de 2005 o estopim para que ele deixasse a Ferrari no fim do ano.
Sem vibração, Barrichello e Schumacher subiram ao pódio e ouviram mais vaias do público. Quem não estava nem aí para os problemas era Tiago Monteiro, que levou a Jordan ao terceiro lugar e comemorou sozinho. Foi o primeiro – e até agora único – pódio de um piloto português na história da Fórmula 1.
Enquanto Monteiro e a Jordan vibravam, ninguém mais tinha cara de alegria no paddock. Os diretores da Michelin se desculparam pelo episódio e prometeram reembolsar os torcedores que pagaram ingresso. Além disso, a empresa comprou 20 mil ingressos para distribuir na corrida de 2006 aos que foram ao autódromo ver a corrida de 2005.
Na semana seguinte, as equipes clientes da Michelin foram julgadas pelo Conselho Mundial da FIA e consideradas culpadas por não se apresentarem para o evento com pneus adequados e por falharem em largar para a corrida. Porém, nenhuma punição foi anunciada, e o campeonato prosseguiu com todos os times.
Um mês depois, os chefes de McLaren e RBR, Ron Dennis e Christian Horner alegaram ao Senado da FIA que a lei do Estado de Indiana fez com que as equipes desistissem da prova, pois poderiam ser acusadas criminalmente por colocar de forma consciente outras pessoas em risco, mesmo que nenhum acidente tivesse ocorrido. A FIA, então, decidiu rever sua posição e encerrou o caso.
De qualquer forma, a Michelin teve sua imagem arranhada e, apesar de continuar entregando pneus competitivos aos seus clientes e de ter vencido os campeonatos de 2005 e 2006 com a Renault, deixou a F1 para nunca mais voltar. Já a FIA e a Ferrari foram criticadas por não terem concordado com uma solução para salvar a corrida. Por fim, a F1 ficou queimada com o mercado americano, e Indianápolis só ficou no calendário até 2007. Todos saíram perdendo.
Em 2000, Ferrari pediu a Barrichello para “proteger” Schumacher em Montreal
Debaixo de chuva, brasileiro era o mais rápido nas voltas finais mas recebeu ordem dos boxes para não ultrapassar o alemão, que tinha problemas de freios e já tinha saído da pista.