Campeão em 1990, ex-lateral do Corinthians quer reconhecimento: “Não sei se lembram de mim”

Nas ruas do Rangel, bairro da periferia de João Pessoa, um senhor de 53 anos caminha quase despercebido. Comanda uma escolinha e tem o maior orgulho de se apresentar como olheiro do Grêmio. Poderia ser só mais um entre tantos que tentam a sorte no futebol. Mas a história já lhe reservou momentos marcantes, esquecidos até mesmo por grande parte de uma das mais apaixonadas torcidas do mundo.

Gérson dos Santos Cosmo está em qualquer almanaque do Corinthians. Os três jogos que disputou pelo Timão em 1990 podem até parecer pouco para quem desembarcou no Parque São Jorge para resolver definitivamente os problemas da lateral esquerda. Afinal, vinha credenciado como um dos melhores do Nordeste na posição, depois de grandes temporadas pelo Botafogo-PB. Mas foram justamente esses três jogos que o fizeram entrar na galeria de heróis corintianos campeões brasileiros.

– Eu me sinto honrado. Não é fácil você sair de uma equipe do futebol paraibano para ir para o Corinthians, que é uma das grandes equipes do Brasil, com a maior torcida do país.

– Imagina você jogar numa equipe dessas e ser campeão brasileiro – lembra Gérson, tentando segurar a emoção de relembrar o auge da carreira.

O lateral chegou ao Corinthians justamente para o Campeonato Brasileiro de 1990. Um reforço estratégico, já que Nelsinho Baptista só tinha Jacenir para a posição. A conquista, eternizada pelo gol de Tupãzinho contra o São Paulo, teve outros heróis. Ronaldo, no gol; Wilson Mano, o curinga; Neto, o craque. Para o paraibano, restou um lugarzinho de coadjuvante. Mas não era para ser assim.

– Eu tinha tudo para ser titular absoluto daquele time. Tinha 23 anos, estava no auge. O Jacenir já tinha 31 anos. Os caras me receberam muito bem no Corinthians. Mas eu tive uma dificuldade muito grande de adaptação. Não ao futebol, e sim ao clima. O frio me prejudicou muito. E com essa dificuldade de adaptação acabei não tendo sequência – lembra.

Jacenir acabou na foto do time campeão. Foi titular em praticamente toda a campanha (17 jogos) e até hoje é lembrado como o lateral-esquerdo do primeiro título nacional do Corinthians. Mas os três jogos de Gérson na campanha (veja abaixo) fizeram com que se tornasse também parte daquela conquista. E entrasse para um seleto grupo de paraibanos campeões brasileiros, que só tem sete jogadores desde Nenzinho, vencedor da Taça Brasil de 1959 com o Bahia.

Quase relacionado para a final

E foi por muito pouco que Gérson não saiu na foto do time campeão brasileiro de 1990. Ele chegou a ser relacionado pelo técnico Nelsinho Baptista. Participou da preleção no hotel antes do jogo decisivo contra o São Paulo. Só foi cortado nos vestiários – na época, é bom lembrar, apenas cinco jogadores ficavam no banco de reservas.

– O Nelsinho preferiu não me colocar no banco, já que eu era um jogador de defesa. Ele preferiu o Angelo, que era um atacante. E eu acabei vendo o título das cadeiras do Morumbi. Depois fomos todos comemorar o título numa churrascaria em São Paulo – recorda.

Hoje o Corinthians tem sete títulos brasileiros. Não fossem os títulos de Santos e Palmeiras conquistados antes de 1971 e posteriormente reconhecidos pela CBF, o Timão seria o clube de maior número de títulos brasileiros. Somando todas as conquistas, 178 jogadores sentiram o gostinho de ser campeões. Talvez Gérson esteja no grupo de estrelas pouco reluzentes dessa constelação toda. Mas isso não apaga as lembranças do paraibano.

O time de 1990 era mesmo especial. Até hoje Gérson guarda com carinho cada momento da campanha. E aproveita para dar uma cutucada nos jogadores contemporâneos.

– Eu estava vendo dia desses uma entrevista do Neto dizendo que o time de 1990 era um time de operários. E era mesmo. Hoje os caras jogam por dinheiro. Naquela época a gente nem ganhava tanto. A gente jogava por amor, porque gostávamos de futebol.

– Os caras de 1990 não eram craques. Não dá para comparar o nosso time com aquele de Sócrates, Zenon, Wladimir… Mas era muita raça. Jacenir, Guinei, Neto, Ronaldo… Os caras mordiam mesmo. Hoje tem muita firula. Dá um driblezinho e já é vendido para a Europa – critica Gérson.

“Se me chamarem, eu vou correndo”

Gérson acompanha de longe os preparativos para a festa de 30 anos do primeiro título brasileiro do Corinthians. Viu que o clube está para lançar um uniforme homenageando aquela conquista. No íntimo, sente-se mesmo parte dela. Mas não nega a angústia por nunca ter sido chamado para uma solenidade oficial. Não entende o motivo de o Corinthians tê-lo preterido da história.

O apelo é de se sensibilizar:

– Espero ser lembrado por alguém. Não sei se eles têm o meu telefone, não sei se lembram de mim. Se um dia o telefone tocar e alguém me chamar, eu vou correndo na mesma hora (Gérson, campeão brasileiro de 1990).

– Eu sempre vejo o jogo do masters do Corinthians. Está todo mundo lá, mas eu nunca fui convidado. Talvez seja a distância. Eu fico na esperança de um dia acontecer e eles me acharem aqui em João Pessoa. Não é uma mágoa. Mas gostaria de ser reconhecido – completou.

O convite poderia partir dos poucos jogadores daquela época com os quais o ex-lateral tem contato. Os melhores amigos dos tempos de Corinthians são três atacantes daquele time: Antonio Carlos, Ângelo e Mauro. Também mantém contato com Tupãzinho, que virou empresário de jogador e às vezes troca ideias com Gérson, que comanda uma escolinha do Grêmio em João Pessoa.

Com Wilson Mano a amizade se transformou em reverência. Gérson era fã do futebol do versátil jogador, mesmo que por vezes, justamente por isso, tenha sido seu concorrente na lateral esquerda.

– O Wilson Mano era diferenciado, um craque. Tenho muita amizade com ele até hoje. O Mano era o cara que onde o Nelsinho colocava, ele jogava. Era muito obediente taticamente. Técnico e por isso tinha facilidade para assimilar as funções. Hoje o Wilson Mano jogaria em qualquer equipe do mundo. Porque onde colocasse ele jogava. Na direita, na esquerda, na zaga, no meio-campo…

Lateral quase foi para o São Paulo

Mas a história de Gérson no Corinthians por pouco não aconteceu. O destino era o São Paulo, e o lateral chegou a se apresentar no Morumbi. Só não ficou lá porque Pablo Forlán, treinador do Tricolor na época (pouco antes da chegada de Telê Santana), não quis. Sorte de Gérson.

Aos 23 anos, ele estava voando. Campeão paraibano em 1986 e 1988 pelo Botafogo-PB, vivia estampando as manchetes dos jornais paraibanos com propostas de grandes times. Deixar o futebol nordestino era uma questão de tempo. E o São Paulo tinha uma certa prioridade.

– Eu me destaquei no Botafogo-PB e um empresário ligado ao São Paulo veio para me levar para o Morumbi. Nisso um outro empresário, lá de Alagoas, chegou na frente e comprou meu passe. Eles se entenderam e eu acabei indo para o São Paulo mesmo. Só que, quando eu cheguei lá, o treinador (Forlán) preferiu trazer um lateral do Uruguai. Foi aí que o meu empresário ligou para o Corinthians – lembra Gérson, com memória afiada.

Na verdade, o Corinthians já vinha monitorando o futebol do garoto. Em 1986, o Timão enfrentou o Botafogo-PB pela primeira fase do Campeonato Brasileiro em João Pessoa e foi informado do talento do jogador, então com 17 anos. Gérson não entrou em campo naquela partida, mas já fazia parte do elenco do time paraibano.

Início no Botafogo-PB e tri alagoano

A história de Gérson começou como a de tantos outros garotos: nas peladas de rua. Foi ali, no bairro do Rangel, que ele foi descoberto por Prince, famoso treinador das categorias de base do Botafogo-PB. Chegou à Maravilha do Contorno em 1981, então com 12 anos. Naquela época, os clubes tinham paciência. Fez toda a base no Belo, passando por infantis, juvenis e juniores. Em 1986, se profissionalizou como um dos destaques da garotada.

Do Botafogo-PB foi para o Corinthians. Comemorou o título brasileiro, mas não teve o contrato renovado. Começava, então, a vida de andarilho do futebol. O frio que atrapalhou a adaptação em São Paulo impediu o passo seguinte. Estava de malas prontas para a China em 1991, mas acabou tendo que desistir da aventura internacional.

– Quando saí do Corinthians o meu empresário queria me levar para a China. Acabei não indo justamente por causa do frio de São Paulo. Acabei tendo um problema de circulação e tive que fazer uma cirurgia. Depois o XV de Jaú me contratou para disputar o Campeonato Paulista.

Além do título brasileiro de 1990 e dos dois paraibanos (1986 e 1988, pelo Botafogo-PB), Gérson só encontrou sucesso no futebol alagoano. Foram mais três taças para a coleção, dividindo a idolatria dos dois maiores clubes do estado. Ganhou títulos pelo CRB (1992 e 1995) e pelo CSA (1994). Fora isso, teve passagens não tão relevantes por clubes como Ceará, Uberlândia, Caldense, Ituano e Anapolina. Encerrou a carreira em 2001, então com 33 anos, na segunda passagem pela Caldense.

Uma vida dedicada ao futebol, mas que, vira e mexe, passa pelo Corinthians de 1990.

– Para mim o Brasileiro de 1990 é o título mais marcante da minha carreira. Tem um peso maior. Jogador de hoje é muito mais fácil sair para uma equipe grande do que era na minha época. Você tinha que jogar muito mesmo. Acho que fui diferenciado – encerra, sem falsa modéstia.