“Tio Zózimo: O filme de terror”

Veja bem como são as coisas. Nunca ninguém conseguiu decifrar. Naquela noite de dezembro, tempo de Natal, na frente da bicicletaria, Jão Ródrix entrou em pânico ao se deparar com um manequim de Papai Noel que pedalava, na vitrina, uma Monareta, ou ele tentou assustar o pessoal que saía do cinema após o filme de terror?

Dona Argenilda sempre dizia. Quem não quer se assustar não saia na escuridão. Mas quem bota juízo na cabeça vazia de moço novinho? Ainda mais metido a namorador.  Galinho bravo. Então foi feito e dito.

Jão Ródrix chegou espalhando pra quem quisesse ouvir. A turma da Rua de Baixo prestou muita atenção. O Cine Ipiranga vai apresentar no final de semana o filme mais assustador de tudo que se tem notícia. Cada um abriu os olhos para ouvir. Só o nome do filme já era assustador. O Exorcista. Tio Zózimo nem quis saber o significado.

Todo mundo ficou aterrorizado. Mas, lá no fundo, a vontade sem fim de ver o tal do filme. Um tio do Melquizedec que mora em São Paulo contou pra ele que este filme é madeira de dar em doido, mesmo.  Yagus pondo mais fogo na lambança.

O pior é que nesta época Jão Ródrix já estava namorando, então. Não podia acompanhar a turma nesta aventura perigosa. Como descer a Avenida sem um corajoso liderando?

Apesar e mesmo assim. Decidiram-se. Iriam. Ainda mais que as Meninas da vizinhança não estavam demonstrando nenhum receio. Já tinham até comprado ingressos antecipados e escolhido as roupas da domingueira.

Em tempo de Natal, novas modas estavam brilhando nas vitrines. Ninguém ia perder o passeio na praça e o filme de domingo. De jeito maneira.

Situação.  Mesmo sem um líder os meninos não desistiram. Ver o assustador filme, tão famoso. Questão de honra. Quase um duelo contra o medo. Inda mais que a cada dia, Jão Ródrix, só pra provocar, comentava pistas do filme. Spoilers?

 Gente que não dormia de medo.  Gente acordada de tanta vontade de chegar logo o final de semana. Saciar a curiosidade. Alguns até apostavam. O Jeffs vai pipocar. O Sidney vai inventar que tem de trabalhar. Tio Zózimo assumiu uma estratégia. Quietinho no canto. Com medo.  Mas por dentro o medo miava.

No domingo, nem bem o sol se escondeu. Foi o tendel.  Subiam para o Cinema, de todos os cantos da cidade, grupos de moças, bandos de rapazes. A praça perfumada. Os grandes luminosos das lojas. A fila dos ingressos. O suspense. Os últimos comentários. A pressão subindo. A coragem descendo.

Quando o filme começou, a cidade emudeceu. Encolhida. Nem respirava. Ruas desertas. Janelas cerradas. Nem o guarda-noturno apitava. A coruja mumificada no galho do hibisco.

Pipoqueiros em fila sussurravam. O que será que tem neste tal de filme? Cada um inventava uma hipótese. Mula sem cabeça. Lobisomem, Saci, Fantasma, Disco-voador. Seo Lazinho explicava que era só um filme, não era pra ter medo, não. Mas quem acreditava? Na verdade, Seo Juca dizia, todos querendo saborear um pouquinho do medo.

Quando o filme terminou e a portaria se abriu, parecia que ninguém queria sair. Estariam todos desmaiados de terror? Demorou.

O primeiro a sair foi Jão Ródrix. Segurando a mão da namorada. Peito estufado. Demonstrando coragem. Deixa comigo. Os meninos da turma deviam estar congelados de terror. Nunca que surgiam. Depois de um tempão, muito amedrontados, um a um foram dando as caras. Planejavam seguir o caminho em grupo. Atrás do Jão Ródrix. Uns 50 metros.  Até em casa, evitar pânico.

Nesta hora, Jão Ródrix, com a namorada, já rompia pela Avenida. Passara pela Banca. Pela Casa Marília. Pelo Bamerindus. Pela Princesinha. Pela Lusitana. Iam num passo acelerado. Pisando com cuidado. Os meninos, assustados, tentando disfarçar, logo atrás. O combinado não é caro.  E mais atrás, rindo, cantando, inventando histórias, sem medo de nada. As meninas.

Esquecido que era tempo de Natal. Se controlando, à frente. Jão Ródrix. Não podia dar o braço a torcer? Cenas do filme de terror não lhe saíam da cabeça. Não podia demonstrar apreensão para a namorada?

De súbito. Chegaram em frente à vitrina da bicicletaria. Foi aí. Jão Ródrix não conseguiu controlar um grito de terror. E suas pernas decidiram que era hora de correr.  Seus cabelos insistiram em arrepiar. Foi tudo muito rápido.

A molecada, ao ver Jão em pânico, entrou em desespero. Quem teve forças pra correr correu. Quem pôde gritar gritou. Metade fugiu para lados da Linha de Trem. Outro tanto despinguelou para as bandas do Parque da Pedreira. Uns chegaram em casa sujos e rasgados. Jota Gê só encontrou o caminho de volta, de madrugada.

A namorada de Jão Ródrix manteve-se firme. E o controlou. Onde já se viu?  Não é motivo pra tudo isso.  As moças que vinham logo atrás só viram metade da  correria dos mais novos, tão envolvidas que estavam em discutir sobre o próximo filme anunciado. O tubarão.

Aquela noite do filme O exorcista sempre foi relembrado nas conversas sobre saudade.  Mas ninguém sabe responder, até hoje, com exatidão. Jão Ródrix ficou assustado com o Papai Noel da vitrine ou ele fez a brincadeira para assustar os meninos?