Tina – Respeito

Em 1970, a personagem da Tina foi criada por Mauricio de Sousa para servir como representante da juventude, introduzida como uma hippie que expressava todo tipo de giria da sua época. Quase 40 anos depois, sua identidade serviu um propósito semelhante no universo MSP, onde ganhou sua própria história, escrita e ilustrada por Fefê Torquato. Em Tina – Respeito, no entanto, a protagonista não aparece para representar a personalidade da jovem atual, mas para trazer à tona uma discussão em voga na juventude feminina: o assédio.



Finalmente liderando sua própria Graphic MSP, Tina é mostrada como uma jovem mulher começando seu primeiro emprego como jornalista em ambiente de redação. Já admirada por seu trabalho em um blog independente, a profissional agora lida com colegas de trabalho, autoridades e enfrenta uma situação infelizmente corriqueira no mundo de trabalho das mulheres. Apesar do foco de Torquato ser o confronto deste obstáculo por parte de Tina, a HQ sabe explorar bem o universo da personagem ao redor disso, mostrando sua vida em família e encontros com os personagens queridos como Pipa e Rolo, lembrando que Tina não é (e não será) definida pelos desafios que enfrenta.

Uma das primeiras coisas que chama atenção em Respeito é seu traço leve e sua arte em aquarela, que dá fluidez às imagens e serve como equilíbrio para um tema tão tenso. Torquato acertou perfeitamente ao embalar a jornada de Tina com sutileza e sensibilidade, passando a impressão de uma transparência de sentimentos da sua protagonista. Tudo isso encaixa perfeitamente com a insegurança da jovem profissional na redação e combina com sua personalidade singela, mas o equilíbrio é ainda mais certeiro quando a história chega em seu ápice, e encontra o peso da trama.

A estética da Tina também merece destaque. Apesar de sempre ser retratada como uma personagem independente e criativa, a Tina das histórias da Turma da Mônica por muito tempo teve uma figura parecida com a Barbie, sensual e com curvas acentuadas. Na HQ de Torquato, nada disso toma o primeiro plano, e o que chama atenção no corpo de Tina é mais uma expressão de sua personalidade, explorada pelo traço da autora através de sua postura, que aparece retraída ou expressiva, de acordo com ambiente e situação. Por isso, a humanidade da Tina é uma das melhores construções de Respeito.

A temática, no entanto, apesar de instantaneamente relevante, é onde a história encontra seus limites. A autora trabalha bem na situação e trauma, e acerta ao representar em Tina, pelas suas ações após uma situação difícil, uma heroína para jovens mulheres. E apesar de deixar claro que o futuro da protagonista não será fácil – elemento que é explicitado em falas de suas colegas e superiores – Respeito poderia ter explorado mais a dificuldade de agir como a heroína fez. Representar as ações de Tina do modo que a história faz funciona como exemplo e idealização, mas infelizmente também faz a resposta parecer fácil demais. São nas ilustrações da capa interna que Torquato encontra o lugar para representar a repercussão negativa que Tina enfrentaria, e as artes reforçam ainda mais a ideia que explorar o futuro de Tina seria proveitoso.

Respeito brilha forte ao trazer uma personagem icônica para o mundo real, e ainda mais por se aproveitar de seu protagonismo para entregar uma heroína. Simplesmente levando ao mundo do MSP uma história que marcou manchetes recentes (com casos de Harvey Weinstein e Roger Ailes), Torquato encontrou espaço para inserir discussões importantes em um universo jovem, e apesar de limitar sua complexidade, entregou uma história sensível e poderosa.