Paraná registra uma amputação a cada três horas e números estão em alta

Uma verdadeira legião de mutilados. E uma legião que não para de crescer. Segundo informações do Ministério da Saúde, a cada três horas e 13 minutos uma pessoa tem algum membro inferior ou superior amputado no Paraná. Entre 2008 e 2018, foram realizados 29.858 procedimentos desse tipo no estado, enquanto em todo o país foram feitas 534.058 amputações nesses 11 anos. E o número tem aumentado.

Até o ano passado, o Paraná registrava a cada ano cerca de 2,7 mil amputações. Em 2018, contudo, foram feitos 3.445 procedimentos no Paraná, número 31% superior ao verificado no ano anterior (2.629). No país, foram 60.733 amputações, alta de 7,5% na comparação com 2017. Nos dois casos, o Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS) aponta para o maior número da série histórica, iniciada em 1992.

Segundo a Associação Brasileira Beneficente de Reabilitação (ABBR), o diabetes é ainda a principal causa para amputações no país. Logo em seguida aparecem os acidentes de trânsito, que representariam cerca de 20% das amputações. Seriam justamente essas ocorrências, inclusive, que explicariam o aumento no número de registros, segundo apontam especialistas da Ottobock, que desenvolve um trabalho de reabilitação com base num protocolo internacional.

“É motociclista, homem, abaixo dos 40 anos (a maioria dos amputados que a empresa recebe). Acima dessa idade, aí a causa principal são problemas vasculares, afetando tanto homens quanto mulheres”, explica Rodolfo Henrique Bostelmann, supervisor técnico da Ottobock. ”Número de motos circulando e de motoristas cresceu. Difícil alguém que respeite 100% as regras de trânsito. Falta preparo por parte dos motoristas”, complementa.

Rodolfo, inclusive, é ele próprio um amputado. Em 2008, um táxi avançou o sinal vermelho e o atingiu, que seguia pela via em uma moto. “Fiquei nove dias em coma e quando acordei já estava amputado. É chocante, deprimente num primeiro momento. Mas aí vamos nos desafiando pouco a pouco e a vida volta a valer a pena”, diz.

Na clínica de Curitiba, inclusive, relatos assim são comuns. É que cerca de 56% dos pacientes da Ottobock que perderam membros foram em decorrência de acidentes de moto. Diferente da diabetes, em que muitas vezes as amputações são mais simples, como dedos, por exemplo, esse tipo de trauma exige um processo de reabilitação mais completa. 

Nove passos para a reabilitação segura

O processo de reabilitação no período pós-amputação deve ser cauteloso. A Ottobock, marca alemã líder no mercado de próteses e órteses e que inaugurou uma clínica recentemente em Curitiba, desenvolve um trabalho baseado num protocolo internacional e que segue nove passos, incluindo a fabricação de uma prótese personalizada, desenvolvida exclusivamente para o paciente que teve um membro amputado. Segundo Rafaela Bettes DeConti, fisioterapeuta da Ottobock, o protocolo leva entre 4 e 5 meses para ser completado, tempo que pode variar de acordo com a idade da pessoa, o medo e a forma como o amputado se relaciona com sua nova condição.

“Fazenmos a avaliação da pessoa, o que ela quer, e projetamos a solução. Daí vem a fase pré-protética, que leva umas 3 semenas e é um período no qual trabalhamos o aspecto físico, alongamento, força da pessoa. Depois disso começa a confecção da prótese. Fazemos o encaixe, o paciente prova e, se estiver tudo certo, começa o treinamento, que começa mais leve e vai ficando mais complexo, até mesmo com treinamento externo, até a pessoa poder levar a prótese e incorporar no seu dia a dia, usar em casa, no trabalho”, explica Rafaela.

No caso de uma prótese do SUS, o valor máximo desembolsado é de R$ 3,9 mil. Em se tratando de próteses mais desenvolvidas, contudo, o céu é o limite. “Vai de R$ 5 mil a R$ 200 mil, dependendo da necessidade do cliente, do que ele vai querer agregar de funções”, explica Rodolfo Bostelmann.

Depressão é o primeiro obstáculo a ser superado

Segundo Rodolfo Bostelmann, supervisor técnico da Ottobock, a regra é a que a depressão entre os recém-amputados seja o primeiro obstáculo depois da perda do membro. “As pessoas chegam até a esquecer que ficaram vivas (no caso de um acidente)”, conta ele.

Nesse sentido, então, a historia do ex-militar Marcio Roberto Cordeiro dos Santos é um ponto fora da curva. Em janeiro de 2013, ele estava na garupa de uma moto quando sofreu um acidente no bairro Sítio Cercado.

“Foi um carro que vinha no sentido contrário, nem vi nada. Apaguei quando os bombeiros chegaram e só acordei no hospital. Só vi a luz de início e quando olhei minha perna, ainda brinquei com o médico: ‘Mas já engessaram minha perna?’ Quando vi… Foi a pior coisa que já vi na min há vida. Chorei naquela hora”, recorda.

Depois do choque inicial, contudo, aos poucos Marcio foi erguento a cabeça, aceitando sua nova condição. “Com o tempo passando, fui vendo a gravidade do acidente. Quase morri, precisei de 17 bolsas de sangue. Parti para cima da reabilitação e conheci uma menina de 14 anos, paralítica e com o astral para cima. Ergui a cabeça”, diz ele, que relata fazer hoje quase tudo o que fazia antes da amputação.

“A única coisa que não faço é andar de bicicleta e jogar bola. O resto faço tudo igual ao que fazia antes do acidente. Mas tem que ter força de vontade”, afirma.
Claro que isso exige além da força de vontade da pessoa, muito apoio, da família, amigos e de profissionais qualificados para ajudar na reabilitação.