Um olhar para nossa origem

A colonização do Norte do Paraná teve seu início na década de 1930 com a fundação de várias cidades pela Companhia de Terras do Norte do Paraná, dentre elas Mandaguari. Como a venda de lotes com preços relativamente baixos era um dos atrativos, junto com a fértil terra roxa, foram atraídos muitos imigrantes de outros estados brasileiros e de outros países.

A cidade teve um rápido crescimento e desenvolvimento a partir da produção de café, principal atividade econômica entre as décadas de 1950 e 1970.

Em 1947 a cidade deixa de se chamar Lovat e recebe sua autonomia e nova denominação, em referência a um ribeirão que havia na região, e na década seguinte Mandaguari foi considerado o segundo município mais populoso do estado, ficando apenas atrás da capital, Curitiba.

Com uma numerosa população que vivia na Zona Rural, o município sofreu com a geada negra em 1975, e naquele período era comum ver muitas famílias abandonando suas propriedades em busca de uma condição de vida melhor.

Essas mudanças deixaram suas marcas tanto nas páginas dos livros de história quanto nos relatos que são transmitidos oralmente por pessoas que resistiram ao tempo e a essas mudanças,  mantendo suas raízes e tradições.

Em uma conversa entre o professor Donizeti Donha e o engenheiro agrônomo João Flávio Borba surgiu a ideia de fazer expedições de forma esporádicas a não somente a esse passado agrícola do município, mas também a busca do entendimento da vida indígena.

“A ideia surgiu quando estávamos conversando sobre alguns documentos e mapas antigos que traçam pistas e rotas dos indígenas em nossa região, assim como sobre peças encontradas em lavouras, tais como machadinha, utensílios”, relata Donha. “A ideia não era fazer expedições típicas, e sim conhecer a realidade para discutir sobre ela. Como somos camponeses de origem e de cultura, revisitar lugares conhecidos ou lugares novos. Isso instiga e dá ânimo, revigora a mente com paisagens naturais ou memórias arquitetônicas” conta Borba.

“O objetivo não era bem definido, era como se a gente quisesse mapear os elementos naturais e os sinais da colonização cafeeira em nossa cidade, mas não era nada definido. A gente saía com o mapa na mão, mas, nenhuma ideia na cabeça”, continua Donizeti.

Lugares já visitados
As expedições tiveram início há quase quatro anos. Algumas famílias e localidades já foram visitadas pelos amigos, que deram preferência a sitiantes que tenham uma produção diversificada e agroecológica, como Sebastião Knupp, na estrada Vitória do Alegre km 20, próximo ao Rio Pirapó e José Carlos da Costa, produtor orgânico na estrada Benjoim, nas proximidades do córrego Alfazema. “Já visitamos algumas das principais estradas rurais. Alegre, Vitória do Alegre, Rochedo, Cajuzinho, Canhota, Promessa, São Cosme. Fomos ao Vale do Pirapó, ao Vale do Araçú, ao Vale do Alegre e ao córrego Orquídea e estradas vicinais de Jandaia do Sul e Marialva”, relata João Flávio.

Outros lugares fora de Mandaguari visitados foram os municípios de Fênix e Barbosa Ferraz, onde está localizado o Parque Estadual de Vila Rica do Espírito Santo que é onde estão as ruínas da antiga cidade indígena fundada pelos Jesuítas.

Para João Flávio, conhecer é um ato libertador, “Debater sob a ótica da literatura ou de outras dimensões, é preciso estudar, é preciso desvendar a realidade”, conta o engenheiro agrônomo. “Temos uma riqueza natural e social muito importante para a criação literária, fonte indispensável de inspiração, e que precisa ser mais pesquisada e mais valorizada”, finaliza Donizeti Donha.

Visita à cachoeira do Ribeirão Alegre
Mandaguari é um município com uma variedade muito grande de belezas naturais pouco conhecidas por sua população, seja por se tratarem de lugares distantes e de difícil acesso, ou pela pouca divulgação desses lugares, pois alguns ficam dentro de propriedades particulares.

Um desses lugares é a cachoeira que ica no Ribeirão Alegre, divisa natural dos municípios de Mandaguari e Marialva. Lugar muito procurado nos dias quentes principalmente por moradores de Marialva e Sarandi, que lotam o local durante os finais de semana.

A reportagem do Jornal Agora participou da visita feita pelos expedicionários ao local realizado no sábado (16).

A saída do perímetro urbano da cidade foi sob forte chuva, que mesmo assim não atrapalhou a continuidade e nem desanimou os participantes. Com objetivo final sendo a cachoeira, o trajeto também incluía as pontes sobre o Ribeirão Alegre. 

Com o trajeto começando pela Estrada Alegre e posteriormente Vitória do Alegre até a entrada para a estrada São Cosme percorrida até a divisa com Marialva onde a estrada muda de nome e é conhecida como estrada da Escolinha, onde ocorreu a primeira parada para fotos e considerações sobre o local da primeira ponte a ser visitada. 

A escola estadual Miguel Couto que dá o nome à estrada, fica à margem da mesma. Segundo levantamento feito por Donizeti Donha, o estabelecimento era atendido por um casal de professores que morava no local e tinha turmas multisseriadas. Atualmente a escola está abandonada e recentemente foi acometida por um incêndio que destruiu parte do telhado.

Saindo do perímetro urbano de Marialva, no acesso à comunidade do Santa Fé, quilômetros à frente adentramos pela estrada do “S”, caminho final até a cachoeira. Ainda no trajeto nos deparamos com um condomínio que teve sua construção adiada por conta de achados de ossada de origem indígena no local, indicio forte da presença de comunidades em torno do rio.

A segunda ponte a ser visitada ficava a poucos metros do acesso à cachoeira. Cercado pela mata ciliar, o local tem algumas placas colocadas há pouco tempo e uma área que teve seu piso concretado, e mesmo com a forte chuva que caía naquela tarde, cerca de 10 pessoas estavam se banhando nas águas do ribeirão.

Com uma distância de pouco mais de 10 metros entre as margens e com queda d’água relativamente baixa e com muitas pedras, a água não tem uma vazão muito forte.  Segundo João Flávio essa vazão no passado poderia ser bem maior, e os índios que viviam na região antes da colonização talvez não tenham visto o lajeado existente logo após os declínios que formaram a cachoeira. Ainda na opinião do engenheiro agrônomo, essa diminuição no volume da água se deve à ação do homem, com o desmatamento em torno do rio, o que contribuiu para o assoreamento e a diminuição do efeito esponja.

Entre muitas suposições sobre o local, tanto Donha quanto Borba destacam a importância para a população indígena que ali existia, tanto para sua subsistência quanto o cultivo de rituais de sua cultura. Para ambos, o local devia ser sagrado, e era perceptível essa espiritualidade.

Mesmo com uma chuva persistente a permanência no local foi por quase 2 horas, com muito bate papo, registros fotográficos e alguns acidentes, como uma queda que resultou em avarias aos óculos do repórter.

 

* Matéria publicada na 294ª edição do Jornal Agora