“Sobre paraísos perdidos”

A altivez na formação daquele povo era algo inquebrantável. O orgulho e a propaganda daquela experiência colonizadora repercutia à toda nação. Os tempos eram de tentar superar crises e, por isso, gente de todos os pontos do país buscava realizar um pedaço de sonho no “Eldorado” que reluzia.

O que quase ninguém sabia, no entanto, era que aquele dominante sentimento coletivo havia brotado de um incidente ocorrido na origem do atual lugar. Mais do que isso, provinha de um conflito por terras e por outros recursos naturais. Quando brotou a primeira vila naquele lugar, os primeiros habitantes que se aglomeraram em casebres se depararam com outros sujeitos presentes e que já viviam ali sabe-se lá desde quando. Posseiros daquele lugar, extrativistas. Uns tantos caboclos que exerciam outras formas de viver e de se relacionar com aquele ambiente. Fato é que, “na tarde que se deu esse Encontro”, o choque foi inevitável. Houve ali, naquele momento histórico, o entrelaçar destoante de duas formas de conceber o mundo. Duas interpretações reais e concretas da realidade. Duas visões de Direito sobre tudo aquilo. 

Disputas intensas. Período largo. Nada foi fácil para nenhum dos lados naquela época da origem da vila. Tudo incidiu profundamente sobre os que já habitavam ali antes dela. Um dos lados ganhou aquela momentânea disputa. Mas não sem antes ter tido como lição a convivência com o conflito inesperado, prolongado e de confronto direto. Foi o principal evento que moldou aquele prefácio da localidade.

Nada de romântico esteve na gênese de tudo aquilo. A altivez, o orgulho e a superação que povoava o sentimento coletivo daquele povo herdeiro do “lado ganhador” estava diretamente associada com a imposição e com a intolerância para com o diferente deparado na origem. Algo que tornou-se recorrente. Era, contudo, como um espectro que, de forma consciente ou não, rondava a todos, assombrando e preocupando.

Tempos depois, o Eldorado se expandiu. Outras formas de riquezas estavam em disputa ou sob outros interesses. Aquela vila transformou-se numa cidade. Mas outras tantas brotaram, cresceram e se emanciparam. Aquele local, outrora experiência vitoriosa e de orgulho sólido de seus habitantes, se distanciou dos círculos centrais de importância e decisão. Todos os sentimentos que moldavam o caráter daquele povo local foram perdendo referência. Aquilo feria a todos dali, pois uma marca ou característica não se desfazia de qualquer forma. Mas era assim mesmo, pois agora, as forças econômicas e os entes políticos que ditavam o que seriam os destinos de todo aquele território já não cultivavam mais interesses sobre o Eldorado original. Tudo aquilo comporia apenas um passado enaltecido. Aos herdeiros deste orgulho originário, lhes rondava um segundo espectro: o de sentir-se impotentes frente à realidade declinante. Era como um “Maracanazo de 1950” muito presente na memória. Mas nada, aparentemente nada, era possível de se fazer, pois o sentimento de não ter acolhido o diferente na origem daquele lugar, agora exercia o efeito que os combatia. Intuitivamente. Não havia cultura criada nessa sociedade para defrontar-se a isso. Aliás, a cultura existente reforçou a que oportunamente, sob outros fatores, os combatia agora.

Aquele ganhar no passado não foi necessariamente vencer, pois não fora uma vitória de todos. Não se considerava que esse todo era composto de diferenças e que, justamente nisto, residem as mais importantes formas de riqueza.

 

*João Flávio Borba é graduado em agronomia e pós-graduado em agroecologia. Natural de Mandaguari, residiu também em Maringá, Paiçandu, Paranacity e Marialva