Rombo milionário

A Polícia Civil de Mandaguari está investigando um desfalque milionário na contabilidade da Comunidade Social Cristã Beneficente (CSCB), a Comunidade do Dr. Osvaldo. A reportagem do Jornal Agora apurou que a denúncia partiu da diretoria da entidade, e duas ex-funcionárias são acusadas de terem comandado o desvio, que ultrapassa o valor de R$ 1 milhão.

Procurada, a presidente da CSCB, Tânia Gomes, confirmou que fez a denúncia à polícia e ao poder Judiciário. A Comunidade do Dr. Osvaldo é uma das instituições filantrópicas mais sólidas e respeitáveis de Mandaguari e região. Foi fundada em 1984 pelo médico naturalista Osvaldo Alves, com a colaboração de Lázara Veloso e Alvarinda Tenório (D. Marina parteira), ambas falecidas e a professora Tânia, que veio das Obras Sociais Irmã Dulce, na Bahia, para ajudar o médico. Mais tarde, dois jovens, Júlio e Henrique, compuseram o grupo. Inicialmente eram feitos atendimentos médicos e distribuição de fitoterápicos, mas desde 2005, quando recebeu vultosa indenização pela perseguição sofrida durante a ditadura militar, o Dr. Osvaldo ampliou os trabalhos, oferecendo oficinas de literatura, teatro, produção de texto, reforço escolar, artes, karatê, vôlei, violão, canto, atendimento odontológico e psicológico às crianças e adolescentes. A entidade também ajuda com cestas básicas, roupas e paga pequenas despesas das famílias em situação de maior vulnerabilidade.

Em 2017, Dr. Osvaldo veio a óbito após sofrer um Acidente Vascular Cerebral (AVC). Ele deixou para a Comunidade cerca de R$ 400 mil em dinheiro, um sítio e alguns imóveis de aluguel. Devido a frequentes compromissos acadêmicos, no ano seguinte a presidente, Tânia, mudou-se para Maringá. Ela seguia visitando a Comunidade, em média, duas vezes na semana, enquanto as atividades eram coordenadas por Débora Almeida do Nascimento, que trabalhava na entidade desde 2014, e Samantha Terra Fascio, contratada desde 2013. A presidente se reunia mensalmente com as duas, que eram funcionárias de confiança, para prestação de contas.

Em março de 2021, o sítio deixado por Dr. Osvaldo foi vendido por R$ 1 milhão, dinheiro este juntado ao patrimônio anterior e colocado em uma aplicação. O objetivo, conta Tânia, era usar a verba para construir casas de aluguel e assim a Comunidade ter novas fontes de renda.

Iniciada a construção do primeiro imóvel, o marido de Tânia, Valdir Alves Ribeiro, ficou responsável pela obra. E foi no ano seguinte, em 2022, ao término da construção, que eles descobriram o desfalque.

“Em maio realizamos uma reunião e a nossa contadora disse que a instituição estava com gastos altos, mas nessa ocasião estávamos terminando a construção de uma casa para alugar e gerar renda, o que poderia justificar. Todavia, quando ela falou os valores, meu marido, que é voluntário da entidade, disse que tinha erro. Ele sabia bem porque foi quem fez as compras dos materiais e acompanhou os pedreiros, embora não efetuasse os pagamentos, cujos boletos eram encaminhados para serem pagos pela secretaria. Foi marcada uma reunião com a contadora e o Valdir para dias depois, a fim de que fossem analisadas as notas fiscais da construção e logo apareceram notas clonadas. Como era muita documentação, Valdir levou para nossa casa e passou uma madrugada identificando compras que poderiam não ter sido feitas. Apareceram, por exemplo, 7 mil gastos com quimonos. Acontece que a última grande compra de quimono foi feita ainda quando Dr. Osvaldo estava vivo. Apareceram também 3 lajes de casa, sendo que uma foi efetivamente comprada para a Comunidade, uma para a casa dessa funcionária, conforme já descoberto, e a terceira nota era falsa. E aí foi um desenrolar de mentiras que foram sendo descobertas”, relata Tânia.

Além das notas de lajes, foram descobertas dezenas de cheques trocados por dinheiro vivo e gastos nos mais diversos fins, desde compra de bolsas de marca de luxo até viagens para outros estados e o suposto financiamento de um imóvel no Pará. Segundo a presidente, as acusadas falsificavam sua assinatura nos cheques.

Semanas antes de o desfalque ser descoberto, Débora procurou a presidente da entidade, alegando que recebeu uma proposta para trabalhar como psicóloga em Rondon do Pará-PA. Ela deixou a Comunidade, enquanto Samantha continuou trabalhando. Uma auditoria foi contratada para apurar o desfalque e descobriu que os desvios começaram em julho de 2021. Como os indícios apontavam a participação de Samantha no esquema, ela foi demitida da entidade. “Todas as prestações de contas que elas me apresentavam e extratos de movimentações, era tudo falso. Elas também falsificavam minha assinatura em cheques, que trocavam pelo comércio local”, acusa Tânia.

O que dizem as acusadas?

A reportagem do Jornal Agora procurou as acusadas para obter suas versões dos fatos. Questionada, Débora disse que retornaria o contato, mas não respondeu até o fechamento desta reportagem. Samantha e seu advogado foram procurados. Ela não respondeu à tentativa de contato, e seu advogado também não retornou.

Ambas as acusadas já foram ouvidas pela Polícia Civil. Em seus depoimentos, tanto Débora quanto Samantha negaram qualquer tipo de desvio de dinheiro, rebateram as acusações e apontam a presidente como responsável.

O processo que apura a fraude segue em segredo de justiça, enquanto inquérito na Polícia Civil, aberto em 2022, ainda não foi concluído. O Jornal Agora segue com espaço aberto para que as acusadas e suas respectivas defesas se manifestem e apresentem suas versões.

Trabalhos na CSCB continuam

Apesar do desfalque, a Comunidade mantém suas atividades. O dinheiro desviado era de um patrimônio deixado por Dr. Osvaldo, que estava em uma aplicação e, portanto, não era usado no cotidiano da entidade.

Para realizar o pagamento de funcionários, lidar com as despesas do dia a dia e continuar ofertando oficinas aos moradores do município, a CSCB tem convênio estabelecido com o poder público, e também realiza bazares beneficentes.