Haverá um novo normal?

“Mentimos sempre a nós mesmos”. Com essa frase Grégoire Delacourt inicia seu livro “A Lista dos Meus Desejos”. Já andei propondo por aqui algumas reflexões acerca dessa obra. Entretanto, penso que no momento peculiar pelo qual atravessamos – e estamos juntos no mesmo barco, na mesma condição, tal qual como as caveiras que representam a nossa igualdade final – também somos obrigadas a reconhecer essa linha tênue que nos separa do outro lado. E todos corremos igualmente o mesmo risco. Não que fosse diferente antes da pandemia. Hoje é mais urgente e perceptível a nossa vã fragilidade. Ontem na feira me encontrei com alguém que conheço há décadas, e admiro profundamente pela trajetória de vida e de criação dos filhos, pela luta que travou para que envelhecesse dignamente. Nos cumprimentamos, foi então que percebi as mãos trêmulas a escolher legumes. Nos entreolhamos, e o que vi foi uma mistura de coragem e amor pela vida.

Mas o que teria esse momento com a frase que inicio o artigo? Diria que tudo. Afinal, desejamos felicidade eterna, tudo de bom, tudo de melhor. Ora, sabemos que ninguém, mas ninguém mesmo, vive numa sociedade perfeita e justa. A propósito disso, há padres ironizando repórteres com relação a milhões ou bilhões roubados de fiéis sedentos de milagres, ou causas impossíveis. Mentimos para  nós mesmos o tempo todo, quando pedimos aos que morreram que cuidem de nós lá de cima (cá pra nós, nunca pedi, porque temo a mãozinha de quem já partiu) e sempre acreditei que trata-se de muito egoísmo pedir para quem partiu cuidar de quem por aqui ficou. Acreditar, crer, ter fé, são ações excepcionais. Mas, há situações que são irreversíveis, até pela ordem natural das coisas. Acreditar sempre, ter noção a vida toda.

Acreditar que haverá um novo, ou repetir quando tudo isso acabar, é tão ufanista quanto buscar um pote de ouro no fim do arco-íris. O novo seria algo que compreende mais cuidado, mais atenção, mais limpeza, mais trabalho. Lavando meus sapatos, e matutando quanto trabalho. Antes de tudo isso, não me preocupava com essa tarefa. E desde quando a higiene é um exagero? A pensar que nos séculos passados, a maioria das doenças eram causadas pela falta de saneamento, de higiene, de cuidados. E hoje isso de repente parece um cuidado tão exagerado. Isso nos faz refletir sobre o novo normal, ou seja, tudo que deveríamos fazer para uma vida saudável e longeva. O novo normal é que tenhamos cuidados e atenções diárias em busca de saúde, de qualidade de vida.

Mentimos para nós mesmos quando acreditamos em pós e fórmulas mágicas, tenho que pontuar que já discuti com algumas pessoas que tentaram vender esse tipo de produto, e sou daquelas que aprendi lá na roça, desde menina, que o melhor remédio vem da horta, da terra, da panela, dos alimentos. Se posso preparar um prato delicioso com alho-poró, porque razão vou tomar cápsulas artificiais cheias de corantes e aditivos químicos? Por que comprar betacaroteno se posso comer cenouras, mangas e mamões saborosos? Será que descascar dá trabalho? Dias desses uma amiga me disse que não come frutas por que tem preguiça de tirar casca. Teríamos preguiça de viver?

Ainda à luz do francês que escreveu “A Lista dos Meus Desejos”, “todos os sofrimentos são permitidos, todos os sofrimentos são recomendados o que importa é seguir em frente, o que importa é amar”. Portanto, meus queridos, tenhamos coragem, tenhamos fé, tenhamos positividade, tenhamos consciência do que é possível, do que pode melhorar meu entorno, minha volta, minha vida e a do outro. Por que o egoísmo é tão cruel quanto um vírus, é tão triste quanto uma vida solitária. Façamos o novo normal todos os dias.