“Eu pude realizar um sonho, eu pude andar”

A atual campeã brasileira de natação dos jogos escolares, Emanuelle Victória Sá de Araújo é paraplégica e nasceu com mielomeningocele, que é uma malformação na coluna vertebral, na medula espinhal e no canal da medula, que ocorre nas primeiras semanas da gestação. Quando grávida de Manu, a mãe da jovem, Regina Celia de Sa, ouviu de seus médicos que sua filha não nasceria ou que sofreria grandes males graças à hidrocefalia. Emanuelle superou as expectativas da ciência e veio a este mundo quebrando paradigmas e recordes. As condições de nascimento de Manu fizeram com que ela ficasse até os 10 anos corrigindo a má formação com que ela nasceu, a natação foi o principal fator que fez com que, atualmente, Emanuelle possa se locomover com um andador e conquistar medalhas de ouro pelo Brasil afora. 

“Ela começou a nadar por recomendação médica logo após fazer uma cirurgia que fez com que ela ficasse durante um ano e meio no hospital, em Curitiba. Os médicos nos disseram que ela tinha que nadar, ou continuaria sempre com deformidades”, conta a mãe da jovem em entrevista a reportagem do Jornal Agora. Aos 10 anos de idade, quando teve seu primeiro contato com a natação, Emanuelle se negou a nadar e por muito tempo exigia a presença da mãe para que pudesse ir experimentando a água aos poucos. Após seis meses de testes e mais testes, Emanuelle “renasceu nas águas”, seu desenvolvimento foi tão significativo que ao voltar para Mandaguari, a família se empenhou em encontrar algum lugar onde a menina paraplégica pudesse treinar com alguém especializado. “Ela estava no nado convencional, e como ela não consegue bater as pernas aquilo estava frustrando um pouco ela. Eu fiquei com muito medo dela ficar desanimada e desistir”, conta Regina.

Ao recorrer à Maringá, a família encontrou um treinador, particular, que na época atendia apenas a sua irmã, que também é deficiente. Depois que ele tomou conhecimento da história e do quadro de Emanuelle, ele aceitou treiná-la e ajudá-la a alimentar essa nova vida que se construía braçadas após braçadas. 

No mesmo ano em que iniciou os treinamentos, em 2018, Manu foi para o primeiro campeonato, os Jogos Escolares, e ganhou quatro medalhas de ouro.  Logo após essas vitórias, o Estado a convocou para representar o Paraná nas Paraolimpíadas Nacionais em 2019, onde ela também ganhou quatro medalhas de ouro e ainda bateu um recorde. E assim que venceu, a jovem foi convidada pelo Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB) para participar dos treinamentos para as paraolimpíadas, duas vezes ao ano junto com a Seleção Brasileira Paralímpica.

Atualmente, Emanuelle participa de treinos semestrais para as os próximos campeonatos que acontecerão em outubro e para aqueles que ela irá competir fora do país, junto de medalhistas olímpicos como  Maria Carolina Santiago que levou três ouros na natação paralímpica nos  Jogos Paralímpicos, em Tóquio. “É muito  inspirador estar entre os medalhistas mundiais, porque olhando para eles, nós vemos que nós também podemos chegar até lá. No começo eu não gostava nem um pouco e minha mãe acabava entrando comigo, e no final eu comecei a gostar, e pensei “já que eu estou aqui,eu posso chegar a muitos lugares, então não posso perder tempo””, conta Emanuelle. 

Antes da natação, Emanuelle vivia em hospitais e cirurgias, e graças a sua paraplegia, ela nunca pôde andar, o que era um sonho para ela.  “A natação para mim é uma vida que eu descobri, porque antes dela, eu vivia de um jeito totalmente diferente do que eu vivo agora, foi um renascimento para mim. E através do nado, eu pude realizar um sonho, que era andar. Eu via pessoas correndo, andando e pulando, e eu não podia fazer aquilo. Mas com a natação eu pude fazer isso, pude correr, pois lá eu posso nadar rápido e isso foi muito bom para mim”, relata ela.

Para um jovem comum, os estudos já são turbulentos quando devem ser conciliados com outras coisas, mas quando se fala de uma medalhista, as coisas se tornam ainda mais acirradas no tempo de Emanuelle. “Lidar com a escola e os treinamentos para as olimpíadas nem sempre é fácil, ás vezes eu vou no ônibus estudando. Pois de manhã eu treino em Maringá e de tarde aqui em Mandaguari. E ainda tem a fisioterapia, a nutricionista, musculação e os treinos duplos ”. 

Como todo atleta mandaguariense, Emanuelle também enfrenta inúmeras dificuldades que vão além de suas condições físicas, ela e os outros atletas deficientes que treinam em Maringá dependem de um único ônibus para levá-los até o centro de treinamento, deste modo, apenas um cadeirante pode ir no transporte. “Às vezes a Manu acaba perdendo treino pois já tem um cadeirante no ônibus e por conta disso ela não pode ir. E esse é um apoio a eles que se mostra necessário, pois a prática do esporte é recomendação médica, para todos eles. Além da saúde, isso ainda ajuda muito na auto-estima deles, pois ali, durante a prática do esporte eles têm contato com outras pessoas com as mesmas características que eles”, ressalta Regina. 

Ainda que os obstáculos sejam expressivos, Emanuelle jamais deixou de acreditar em si e se imaginar recebendo uma medalha paralímpica, à reportagem do Jornal Agora, ela revelou que se imagina constantemente recebendo uma medalha de ouro nas Paralimpíadas de Paris, em 2024. 

Em 2023, o CPB irá inaugurar  um centro de treinamento paralímpico em Maringá, com o intuito de possibilitar aos atletas da região um local adequado para treinos, já que até o momento tanto Emanuelle quanto os outros atletas paralímpicos da região treinam em um local particular. Com o intuito de ajudar pessoas de todas as idades com deficiências à encontrarem no esporte sua melhora de autoestima, saúde e qualidade de vida, o treinador de Emanuelle montou o AquaVida, projeto que irá através da natação, transformar a vida de inúmeras pessoas que assim como Emanuelle, tem características que o tornam diferentes da população, mas não menos capazes de fazer atos grandiosos. 

Com 14 anos de idade, após ter conquistado inúmeras medalhas de ouro em campeonatos estaduais e nacionais, Emanuelle Araújo de Sá, com a ajuda de sua família, amigos e padrinhos que abraçaram sua trajetória,  busca por uma medalha mundial, que não irá apenas alegrar a si, mas mostrar para todos aqueles com características especiais como ela, que nada lhes é impossível.