Entre o temor e a esperança

Presenciei os eventos climáticos que recaíram sobre a principal zona afetada pelas chuvas no estado de Minas Gerais durante esta penúltima semana de janeiro de 2020. Realmente, é possível que em cerca de 36 horas tenha chovido o equivalente histórico distribuído para quatro meses. Isso ali entre os dias 23 e 24.
Eu estava em Sarzedo, um município da região metropolitana de Belo Horizonte, um pouco menos povoado, mas onde ainda assim foi possível perceber a catástrofe, inclusive presenciar o desmoronamento de um morro (ainda que desabitado). Passado o clímax das chuvas intensas, chega-nos o resultado. Milhares de desabrigados. E o pior. Dezenas de mortos por deslizamentos. Cinco destes bem perto de nós, no município vizinho de Ibirité, inclusive uma mãe com um bebê no colo.
O que vimos, me fez conectar com as enchentes históricas ocorridas no Paraná na última década, sendo elas: em junho de 2012 (Norte e Noroeste), em junho de 2013 (Norte Central e Noroeste), em junho de 2014 (Centro Sul e Sudoeste) e em janeiro de 2016 (Norte e Noroeste). Todas elas igualmente trágicas e catastróficas, seja em Minas, no Paraná ou qualquer outro lugar, independentemente do número de afetados ou vitimados.
A principal resposta dada pela natureza quanto à perturbação de seu curso normal refere-se ao fato da intensificação periódica de alguns eventos. Calor e frios extremos. Secas e queimadas prolongadas, como as ocorridas recentemente na Austrália. Além de ventos violentos como tornados, furacões e vendavais mais frequentes e fortes. Chuvas mal distribuídas como as ocorridas também são sinais deste tempo de incertezas. 
Alguns afirmariam: “o planeta está febrio”. O fato de não estar sadio é preocupante, pois as consequências são notáveis. Elas vão desde a constatação de espécies várias sendo extintas ou em vias de extinção. E se estende até à morte precoce de milhares e milhares de pessoas que estão em zonas de riscos por aí. E que estão nestes lugares não por uma situação de escolha, mas por uma condição social imposta pela concentração da propriedade à alguns poucos (espaços amplos, firmes e seguros). Morar em morros, encostas, sem saneamento, sem políticas de advertências de riscos não é uma opção e sim uma condição vivenciada por uma maioria empobrecida.
E como mitigar isso tudo? Como tratar essa enfermidade da natureza? (Sim, mitigar, pois algumas gerações deste planeta – inclusive a nossa – não mais verão essa situação solucionada). Um outro modelo de desenvolvimento econômico e social é urgente, onde haja centralidade no respeito à natureza e ao bem-estar de todos os humanos. Não há terceira solução. A sanha por acumulação de capital para uns poucos é o motor dessa situação. Um exemplo clássico da necessidade dessa mudança vem deste mesmo local afetado pelas enchentes. O crime cometido pela Vale em Brumadinho (município vizinho de Sarzedo) contra as 272 vítimas diretas, além das milhares indiretas, responde a isso. 
O Rio Paraopebas está sem vida. Assim como o Rio Doce por conta do desastre de Mariana em 2015. Igualmente impactante é o projeto de Belo Monte no Pará, desagregador do meio natural, assim como das populações indígenas, verdadeiros protetores da natureza. Para além deste tema das águas e minérios, a expansão abrupta de monoculturas sobre biomas típicos brasileiros (Amazônia, Cerrado e Pantanal) também são antagônicos a essa mitigação. O atual governo federal avaliza ações de grupos econômicos de interesse sobre áreas de preservação e conservação. Ou seja, por essa ação, tende-se aumentar “a temperatura da febre”. E analogicamente às doenças humanas, febre excessiva leva a convulsões e à morte. Esse modelo de desenvolvimento precisa ser interrompido com urgência. 
Iria participar também do ato promovido por iniciativa de diversas igrejas e outras  entidades em memória às vítimas de Brumadinho que fez um ano dia 25 de janeiro. Por questões óbvias foi cancelado. No entanto, representantes nacionais de comunidades de assentamentos de reforma agrária e de outras comunidades de povos tradicionais assumiram compromissos durante a semana (tornar-se-ia público  no ato em Brumadinho) pelo plantio de 100 milhões de árvores nos próximos 10 anos em seus territórios. Suficiente? Provavelmente não. É uma parte da sociedade se movimentando. E apenas uma tentativa de se tornar algo permanente e que, se possível, contagioso à toda sociedade para tornar-se algo cultural.
É sabido que o cenário, enquanto habitantes do planeta, não nos é favorável. Nisso, a tomada de decisão em preservar ambientes e recompor os degradados é algo fundamental. É civilizatório. Pode ser difícil e dolorido como um parto, mas igualmente reinaugura a esperança pela vida permanentemente.