“A grama do lado de lá é sempre mais verde que a do lado de cá”

Há alguns dias ganhei de um amigo, cervejeiro como eu, uma garrafa do último lote da bebida que ele produziu. Coincidentemente, do mesmo estilo de uma que fiz no final de maio e ainda tenho alguns exemplares. Situações como essa são comuns no universo cervejeiro e inevitavelmente nos induzem a um comparativo. Qual ficou melhor? Como os diferentes insumos e técnicas de processo impactaram no resultado final? Quais cores, aromas e sabores cada uma revela? Os defeitos estão evidentes ou é preciso se esforçar para identificá-los?

Para um leigo essas perguntas não fazem a mínima diferença, mas para um cervejeiro, ainda que amador e sem muito conhecimento, são imprescindíveis. Foi aí que entramos num embate. No meu entender, tirando as cores, que eram idênticas, a cerveja que ganhei superava a minha em todos os aspectos. Mandei um “zap-zap” dizendo isso ao seu criador. Ele não acreditou e elencou os defeitos que havia percebido ao tomá-la. Só tinha um jeito de esclarecer. Peguei uma garrafa da minha produção e fui até a casa dele para tomarmos juntos, fazermos o comparativo e ver quem estava com a razão.

Esse tipo de situação não acontece só com cerveja, até porque o número de pessoas que se dedicam a esse hobby ainda é muito pequeno. Quem nunca se perguntou que raios de tempero a vizinha usa para que a comida dela exale aquele aroma terrivelmente delicioso enquanto a que você prepara parece não ter cheiro algum? Você com certeza já fez esse questionamento e, não tenha dúvida, sua vizinha, aquela mesma cuja comida parece ser a mais saborosa do mundo, também pergunta a mesma coisa quando é você quem está fogão preparando sua gororoba.

Meu conhecimento sobre psicologia equivale à habilidade que tenho de pilotar aviões, ou seja, zero. Ainda assim, me arrisco a palpitar que esse lance de ver no que o outro faz uma perfeição que não enxergamos em nossas próprias ações tem a ver com o nível de cobrança que temos sobre nós mesmos e também com o desejo de alcançarmos algo que idealizamos mais nem sempre está ao nosso alcance. Podemos não estar suficientemente preparados para atingir o que queremos, não possuir e não ter como buscar as condições ideais para obter aquele resultado e até mesmo não termos a competência necessária.

Sim, diferente do que pregam os palestrantes motivacionais, uma categoria que a cada dia vem perdendo espaço para os coachings (mas isso é tema para um outro texto), essa história de que “você pode alcançar tudo que quiser, basta de dedicar” é balela. Todos enfrentam limitações, internas e externas e é preciso aceitar isso para não desperdiçar a vida atrás de algo que não se pode alcançar. Devemos sim buscar a excelência naquilo que nos propomos a fazer, mas sem menosprezar as habilidades que temos nem deixar de aproveitar as coisas boas que estão ao nosso alcance, pois o futuro é incerto e se ele não for como idealizamos, p elo menos teremos vivido o presente da melhor maneira possível.

Sobre a cerveja que comentei no começo deste texto, uma só não foi suficiente para chegarmos a um veredito. Veio mais uma garrafa, depois outra e mais outra. As opiniões não mudaram, eu continuei defendendo a cerveja dele e ele defendendo a minha. Ao final, terminamos a conversa bem mais animados do que quando começamos e chegamos à conclusão que, não importa de que lado da cerca estamos, a grama do lado de lá é sempre mais verde que a do lado de cá.