Torcidas de Grêmio e Inter se unem no combate à violência contra a mulher; saiba como pedir ajuda

No Grêmio, 18% do quadro social são mulheres, enquanto 82% são homens. No Inter, esta proporção é de 22% para 78%. Mas as torcedoras também marcam presença – cada vez mais – nas arquibancadas da Arena e do Beira-Rio. E se unem não só para garantir seu direito de torcer, mas para combater a violência contra a mulher.

Em 2019, o Rio Grande do Sul foi o terceiro estado com mais feminicídios no Brasil. De janeiro a maio de 2020, o número teve aumento de 34% em relação ao ano passado. Durante a pandemia, os casos de violência doméstica subiram 40% em todo o país.

Diante de todo este cenário, torcedoras de Grêmio e Inter perceberam que o futebol também é um lugar para buscar segurança, apoio e ajuda. No Beira-Rio, a Força Feminina Colorada tem mais de 200 integrantes cadastradas e ocupa as arquibancadas há 11 anos. Na Arena, o Coletivo Elis Vive convida as mulheres gremistas a torcer juntas há dois anos.

– A torcida surge em função de uma necessidade de mulheres que querem ir para o estádio, e ao longo do tempo a torcida foi evoluindo para abordar outras questões de gênero, acho que junto com a evolução da sociedade – afirma Francine Malessa, diretora de comunicação da Força Feminina Colorada.

A Força Feminina Colorada ajuda há três anos uma casa de passagem para mulheres que sofreram violência doméstica. E são parcerias de uma força-tarefa que envolve Ministério Público, Judiciário, polícias, governo e outros poderes e diversas frentes de mulheres preocupadas em se proteger.

Foi graças ao apoio da Força Feminina Colorada que uma mulher ouvida pela reportagem tomou coragem para denunciar seu caso de violência. Após terminar um relacionamento de sete anos, ela passou a ser perseguida pelo ex-companheiro. E sofreu ameaças de violência inclusive dentro do estádio de futebol. Ela prefere não se identificar.

 

– Quando me separei dele, já tinha se passado três para quatro meses, e ele seguia falando comigo como se eu fosse a mulher dele. Aquilo me incomodava. Eu dizia: “Olha, acabou. Não é mais por aí”. Mas ele não entendia. Ele descobriu que eu tinha conhecido uma pessoa, ele ameaçou de me bater, eu frequento estádio de futebol, e ele me ameaçou de que se me encontrasse no estádio de futebol iria me bater, iria me cuspir na cara, iria me humilhar – conta.

A vítima registrou mais de 10 boletins de ocorrência e já obteve a terceira medida protetiva contra o agressor. Mas os episódios de ameaça persistem.

 “Sigo fazendo meus boletins de ocorrência, com as minhas medidas protetivas, indo à luta com as amigas. Eu queria que as mulheres soubessem que isso não é uma coisa que acontece só com elas. Não aceita. Você não precisa passar por isso. Não precisa”

A mesma rede de apoio se repete na Arena. Além de reunir as gremistas nas arquibancadas, o Coletivo Elis Regina virou ponto de apoio para as mulheres da Vila Liberdade, na cercania do estádio.

– A gente acabou se tornando um ponto de apoio para as mulheres da Vila Liberdade, que fica ali no entorno da Arena. Uma senhora que foi abandonada pelo marido em um momento crítico, eu imediatamente já fui no grupo coletivo e disse ó: “Tal conta”, e passei os dados de conta dela para gente ajudar – conta Tiele Kawarlevski, integrante do Coletivo Elis Vive.

Saiba como pedir ajuda:

Telefone do Disque-Denúncia da Central de Atendimento à Mulher: 180

Telefone do Disque-Denúncia da Secretaria de Segurança Pública: 181

Telefone de Emergência da Brigada Militar: 190

WhatsApp da Polícia Civil: (51) 98444.0606

Denúncia Digital do site da Secretaria de Segurança Pública

Campanha Máscara Roxa: a mulher que for vítima de violência doméstica podem denunciar as agressões em farmácias que tiverem o selo “Farmácia Amiga das Mulheres”. Basta pedir por uma máscara roxa: é a senha para que o atendente saiba que se trata de um pedido de ajuda;

Sinal Vermelho: no Distrito Federal, a mulher que for vítima de violência doméstica pode denunciar as agressões em farmácias, ao mostrar um “X” vermelho na palma da mão aos atendentes.

A Força Feminina Colorada e o Coletivo Elis Vive, do Grêmio, também colocam suas redes sociais como canal de apoio.

São ações que parecem pontuais, mas que somadas contribuem com uma mudança de cenário. Em maio, houve registro de queda no número de feminicídios no Rio Grande do Sul.

Recentemente, o ex-técnico da Seleção Brasileira de futebol feminino Renê Simões deu uma declaração polêmica. Em entrevista, ele disse apoiar a volta do futebol como ajuda contra a violência doméstica no Brasil. Depois, participou de live organizada pela Força Feminina Colorada e mudou o tom na declaração.

– O futebol pode, sim, e tem um papel não de acalmar o ânimo dos homens. Mas de produzir e reproduzir essas mensagens sociais de não-violência. De conscientização. Nesse período em que os estádios não estão sendo ocupados, e só as as casas estão ocupadas, o futebol pode e tem que viver esse papel – diz Ariane Leitão, coordenadora da Força-Tarefa de Combate aos Feminicídios.

Mas a luta não é só das mulheres. Ou não deveria ser. Durante a pandemia, a Fifa lançou a campanha Safe Home (casa segura, na tradução para o português) em parceria com Organização Mundial de Saúde . Nela, atletas se posicionam em combate à violência doméstica.

– No momento em que a gente tiver homens rechaçando esses comportamentos, e a gente não tiver mais essa cumplicidade em relação à violência e a essa masculinidade tóxica, eu tenho certeza que nos vamos começar a ter redução significativa dos números de violência no Brasil – afirma Ariane.

Mais uma ação, entre tantas. Para mostrar que o futebol pode ser agente de muitas transformações sociais. Em um meio onde tem tanta alegria, tanta paixão, que esses rostos se multipliquem. Mais mulheres. Mais apoio. Mais respeito.