No braço e com polêmica: Lewis Hamilton vence a primeira do ano

Foi uma corrida daquelas, de tirar o fôlego. O GP do Barein, abertura da temporada 2021 da Fórmula 1, correspondeu a todas as expectativas criadas desde a pré-temporada da categoria, com uma disputa ferrenha pelo topo, com RBR e Mercedes na briga, e um equilíbrio muito forte para saber quem é a terceira força do ano – inclusive com um começo de reação da Ferrari após um ano terrível em 2020. Só uma coisa não mudou nesta primeira prova: o vencedor. Sir Lewis Hamilton foi ao alto do pódio pela 96ª vez na carreira. Mas as circunstâncias foram outras: com uma Mercedes ainda inferior à RBR, ele teve de segurar no braço o ataque de Max Verstappen nas voltas finais da corrida, mesmo com pneus 11 voltas mais velhos que os do holandês. Uma vitória daquelas.

Sobre a polêmica falaremos um pouco mais para a frente neste texto. Com uma RBR forte como há anos não se via, Verstappen marcou a pole com tranquilidade e dominou a primeira parte da corrida. Só que a Mercedes resolveu fazer o primeiro movimento estratégico da prova: chamou Hamilton para fazer seu pit stop já na 13ª volta, talvez tentando induzir a rival austríaca a adiantar a parada do holandês. Pensando no desgaste dos pneus e na tática para o restante da prova, a RBR manteve Verstappen na pista por mais quatro voltas e só fez a parada na volta seguinte à de Valtteri Bottas, companheiro do inglês, para evitar um duplo undercut (quando a equipe tenta ganhar a posição nos boxes chamando seu piloto antes do rival à frente para o pit stop). Com isso, a liderança acabou nas mãos de Hamilton.

Erro da RBR? Para mim, foi mais um acerto daqueles da Mercedes, confiando no talento do líder da equipe na pista. O carro de Verstappen talvez não conseguisse chegar ao fim da prova com um bom desempenho se fizesse uma parada tão precoce. Mas a equipe alemã corria o mesmo risco e apostou na enorme capacidade de Hamilton para gerir o desgaste dos pneus. Na segunda rodada de pit stops, o raciocínio foi o mesmo: o inglês foi chamado na volta 28, enquanto Verstappen alongou a janela até a 39, para ter condições de usar um jogo de duros novos em ritmo de classificação para tentar o último ataque pela vitória.

Deu certo. Em menos de dez voltas, Verstappen chegou em Hamilton. E se colocou a menos de um segundo do inglês, para poder acionar a asa móvel nas três zonas de DRS do circuito de Sakhir. Então chegamos à polêmica da corrida: na 53ª, o holandês colocou por fora na curva 4, completou a ultrapassagem por fora da linha branca que limita a pista e teve de devolver a posição em seguida, orientado pela RBR após uma ordem da direção de prova. Com isso, Verstappen perdeu o momento e, com os pneus mais desgastados e com a necessidade de recarregar a bateria para ter mais potência, não conseguiu um novo ataque. Vitória de Hamilton por apenas 745 milésimos. Uma grande corrida dos dois pilotos, prenúncio de um duelo que deve durar toda a temporada.

Para terminar a polêmica: muita gente reclamou que os carros da Mercedes estavam abusando dos limites de pista na curva 4 durante toda a corrida. Inclusive a RBR chegou a reclamar com a direção de prova, a Mercedes foi advertida e o engenheiro Peter Bonnington teve de avisar a Hamilton para não passar ali, sob risco de punição. São duas coisas diferentes. Primeiro: não dá para comparar a ultrapassagem de Verstappen a essa situação. O regulamento é bem claro: você não pode passar com as quatro rodas fora da pista e ganhar uma vantagem duradoura. Além disso, é praxe que, quando uma ultrapassagem acontece dessa forma, com o piloto saindo da pista, ele devolva a posição. Segundo: sobre a questão dos limites de pista, as Race Notes do diretor de provas Michael Masi permitiam que os pilotos usassem aquela área na curva 4 apenas durante a corrida. A questão aqui é que o entendimento da questão mudou no meio da prova, após a reclamação da RBR. Por isso sou a favor dos limites de pista físicos, com grama ou brita. Evita essas polêmicas chatas após uma grande corrida.

Analisando a disputa, alguns destaques aqui. Impressionante o que Hamilton fez com os pneus desgastados. Ele estava claramente andando acima do limite do carro: a escapadinha na entrada da reta oposta na volta 52 mostrou isso. Foi mais uma amostra do talento do inglês, o maior piloto da história da Fórmula 1. E que bateu mais um recorde neste domingo: ele é agora o piloto a mais liderar voltas em GPs: 5.126, superando o antigo recordista, Michael Schumacher, que tem 5.111 no currículo. Max Verstappen fez um grande fim de semana, mostrando muita velocidade. Mas faltou um pouquinho de paciência e frieza na disputa com Hamilton: se ele aguardasse mais quatro curvas, faria a ultrapassagem em uma zona de DRS, sem tantos riscos. E por último: a RBR confirmou que tem o melhor carro neste momento do campeonato, mas a Mercedes mostrou seu habitual poder de reação: o W12 evoluiu absurdamente em duas semanas, após os problemas nos testes de pré-temporada. A disputa entre Mercedes e RBR promete muito para 2021.

Bottas apagado e Pérez azarado

Os segundos pilotos de Mercedes e RBR tiveram dias bem distintos em Sakhir. Valtteri Bottas até fez a melhor volta, após fazer um pit stop tardio para assegurar o ponto extra, mas foi um figurante durante toda a corrida. Nunca teve condições de andar no mesmo ritmo de Hamilton e Verstappen para tentar ajudar a Mercedes a garantir a vitória no Barein – e ainda sofreu com um segundo pit stop muito lento. Já Sergio Pérez, em sua estreia pela equipe austríaca, teve um problema eletrônico na volta de apresentação e parou na pista. O mexicano conseguiu religar o carro, começou a corrida dos boxes e deu um show de ultrapassagens. Fez uma grande corrida de recuperação, terminou em quinto e foi escolhido o Piloto do Dia. Desempenho que mostra o acerto da RBR em apostar no veterano para a segunda vaga do time na temporada 2021.

McLaren na frente como terceira força

Como venho batendo na tecla, a briga pela terceira força da temporada 2021 promete muito. Foi o que vimos no primeiro fim de semana do ano, com um resultado excepcional para a McLaren, que colocou Lando Norris na quarta posição e Daniel Ricciardo em sétimo. O resultado confirmou que o MCL35M nasceu bem, com boas soluções em termos de aerodinânica, e teve uma boa integração com os motores Mercedes, novidade da equipe inglesa neste ano. Mas foi apenas a primeira batalha do campeonato: esta guerra, que deve envolver cinco equipes que devem se alternar na frente desta briga, vai durar o ano inteiro.

Ferrari mostra reação após ano terrível

Depois do GP do Barein, os tifosi têm muitos motivos para comemorar. A Ferrari confirmou a evolução vista na pré-temporada e nos treinos no Barein. Colocou seus dois carros entre os dez primeiros, com Charles Leclerc em sexto e Carlos Sainz em oitavo. Tudo isso em um circuito que expunha o ponto fraco do carro do ano passado: o motor. Com uma nova unidade de potência, a equipe italiana cresceu bastante já para a primeira corrida e tem espaço para melhorar ainda mais em 2021.

Yuki Tsunoda: estreante em alta

Para mim, o piloto japonês com o maior potencial a já ter chegado na Fórmula 1. E Yuki Tsunoda confirmou as altas expectativas logo em sua primeira corrida na maior categoria do automobilismo. Aos 20 anos, foi rápido e fez uma corrida segura, com desempenho superior a vários veteranos em carros de desempenho similar. No fim, o piloto da AlphaTauri ultrapassou o canadense Lance Stroll, da Aston Martin, e assegurou os dois pontos da nona posição. E bateu algumas marcas: foi o japonês mais jovem a marcar pontos na F1, o primeiro piloto do país a marcar pontos desde Kamui Kobayashi em 2012 e o primeiro estreante a marcar pontos no primeiro GP desde Stoffel Vandoorne em 2016.

Veteranos em lados opostos na abertura

Entre os veteranos do grid, destaque positivo para os desempenhos de Fernando Alonso e Kimi Raikkonen. O espanhol brigou pelos pontos durante quase toda a corrida, mas foi traído por um problema nos freios de seu Alpine e teve de abandonar. Já o finlandês foi aguerrido, mostrou seu já conhecido talento, lutou durante toda a prova, mas não teve carro para marcar pontos: ficou em 11º com a Alfa Romeo. Já pelo lado negativo, não tem como não falar de Sebastian Vettel. O alemão teve um fim de semana para esquecer com a Aston Martin: foi eliminado no Q1, punido por ignorar bandeiras amarelas, teve de largar em último e até fazia uma boa corrida. Mas estragou tudo no fim ao errar a freada para a curva 1 e acertar a traseira do francês Esteban Ocon. Por causa desse acidente, foi punido novamente e perdeu 10 segundos no tempo final de prova. Terrível. O lado bom é que não tem como piorar: é levantar a cabeça e tentar a reação no GP da Emilia-Romagna, em 18 de abril.