Mais que um atleta: por que LeBron se tornou uma das vozes mais influentes do esporte?

Dentro de quadra ou fora dela, LeBron James se acostumou a fazer sua presença ser sentida. Quando não veste o amarelo do Los Angeles Lakers para voos incríveis, arremessos decisivos ou jogadas de craque, King James emplaca sua marca através de palavras. Escritas ou faladas. Por sua postura e por seu posicionamento inabalável diante de questões políticas e sociais, LeBron James é uma das vozes mais poderosas e influentes que o esporte já produziu.

Essa faceta “extra-quadra” de LeBron voltou à evidência na última quarta-feira. Mais uma vez, o jogador foi às redes sociais manifestar revolta em relação a um caso de violência policial direcionada à comunidade negra nos Estados Unidos.

A truculência policial, diga-se, não é a única pauta abordada pelo astro ao longo de sua carreira. Política, racismo na publicidade, sexismo. Tudo que reverbera costuma ser posto na agenda de um atleta que jamais se esconde na evasiva do “estou focado apenas no próximo jogo”. Um dos motivos para esse engajamento LeBron deixou claro quando inaugurou em 2018 uma escola na sua cidade natal, Ohio.

“Eu sei exatamente o que essas crianças passam. Sei dos problemas, os desafios, os altos e baixos, os sonhos e os pesadelos. Porque eu também passei por isso”.

Bandeira contra a violência policial

A luta contra a truculência policial voltada à comunidade negra nos Estados Unidos tem sido uma das principais bandeiras levantadas por LeBron James ao longo da carreira. O jogador nasceu em uma região humilde da cidade de Akron, em Ohio. Filho de mãe solteira que precisou pular de emprego em emprego, o astro conhece bem o significado da palavra vulnerabilidade.

Na última quarta-feira, o vídeo em que um homem negro suspeito de fraudes envolvendo cartões de crédito foi agressivamente detido por um policial na cidade de Minneapolis inundou e chocou as redes sociais. A vítima, George Floyd, tinha 46 anos e morreu após ter o pescoço brutalmente pressionado pelo joelho do policial.

LeBron James prontamente manifestou repúdio, fazendo alusão ao protesto do ex-NFL Colin Kaepernick, que quando atuava pelo San Francisco 49ers se ajoelhou durante a execução do hino nacional americano como forma de protesto contra a violência policial no país. LeBron usou a semelhança entre as imagens para passar sua mensagem: “Vocês entendem AGORA!?!?!? Ou ainda está embaçado?”, escreveu.

Apesar de 2020 ainda sequer ter chegado à metade, o caso George Floyd não foi o único a fazer LeBron levantar voz nas redes sociais. Um assassinato que aconteceu no estado da Geórgia em fevereiro veio à tona e tomou conta do noticiário nos EUA no início de maio.

Ahmaud Arbery, jovem negro de 25 anos, foi perseguido e assassinado a tiros por dois homens brancos. E lá estava LeBron em uma rede social, vigilante quanto ao ultraje: “Somos literalmente caçados todos os dias/todas as vezes que pisamos fora do conforto de nossas casas”, desabafou.

O caso Colin Kaepernick foi um dos episódios que mais marcaram o engajamento de LeBron James em relação à questão racial. Em 2017, após Kaepernick gerar polêmica por fazer protestos contra a violência policial durante execuções do hino nacional em jogos da liga de futebol americano e em seguida ficar sem time, LeBron não só amparou o quarterback, como afirmou que Kaepernick foi sabotado pela NFL quando passou a ver times virando-lhe as costas quanto a um contrato.

Combate ao racismo

Diante dos olhos de LeBron James, o racismo não tem vez. Em 2018, o camisa 23 expôs a má publicidade da rede de departamentos suíça Hennes et Mauritz (H&M). A empresa gerou polêmica ao promover um anúncio em que um menino negro vestia um agasalho com os dizeres “Macaco mais legal da floresta”, em inglês.

– H&M, vocês estão equivocados sobre a gente! E vamos atrás disso! Diretamente! Menos de vocês e mais do que eu vejo quando olho para essa foto. Vejo um jovem rei! O regente do mundo, uma força intocável que nunca pode ser negada! Nós, como afro-americanos, sempre teremos de quebrar barreiras, provar que as pessoas estão erradas e trabalhar ainda mais duro para provar nosso lugar. Mas adivinhe só: é isso que nós amamos porque os benefícios ao fim da estrada são lindos demais!” – escreveu LeBron numa rede social.

Engajamento social em diversos níveis

Ciente de seu tamanho e do compromisso com suas raízes, LeBron James deu em 2018 um novo passo no sentido de ampliar o seu legado. Inaugurou, através de sua fundação, a “I Promise School” (Escola Eu Prometo), na cidade de Akron. E mostrou que a motivação para o gesto foi bem simples: “Sei exatamente o que essas crianças passam”, disse à época.

Na manhã da inauguração, o colégio recebeu 240 alunos e teve uma grande festa de abertura com a presença do astro dos Lakers e toda a sua família. A instituição foi a principal ação nos mais de 10 anos da James's Family Foundation (Fundação Família do LeBron James), e foi levantada com apoio de órgãos públicos de Akron e empresas privadas parceiras.

O engajamento de LeBron James não se restringe às questões de classe e raça. Recentemente o jogador foi fundamental na luta de uma renomada atriz pela paridade salarial no meio audiovisual. Enaltecida por seu trabalho em Estrelas Além do Tempo e Histórias Cruzadas, Octavia Spencer revelou em janeiro de 2019 que LeBron lhe ajudou a receber salário equivalente ao de homens em uma série. A produção em que King James participou como produtor executivo conta a história da primeira mulher negra a ficar milionária por esforço próprio nos Estados Unidos.

Mais que um atleta

Não se omitir é sair da zona de conforto. Se expor, dar a cara a tapa. O fato de fazer críticas ao presidente americano Donald Trump em 2018 colocou LeBron James novamente sob os holofotes da mídia americana. E desse contexto nasceu uma frase que acabou virando o slogan definitivo do produto, e até certo ponto da instituição LeBron James: 'Mais que um atleta'.

Em fevereiro daquele ano, a apresentadora do canal “Fox News” Laura Ingraham disse em rede nacional que “LeBron deveria calar a boca e driblar uma bola de basquete”, referindo-se às críticas feitas por LeBron a Trump, e às demais questões políticas e raciais do país. Em resposta, LeBron James postou em uma rede social: “Eu sou mais do que um atleta”. E completou: “Nós não vamos nos calar e driblar”.

Dias após a postagem, na entrevista coletiva do Jogo das Estrelas daquele ano, LeBron foi implacável ao abordar o assunto.

– Nós vivemos em um país em que tudo isso está sendo discutido, e o que ela falou somente reforça a necessidade de falar sobre nossos problemas. E nós, definitivamente, não vamos nos calar e driblar, como ela disse. Eu significo muito para a sociedade, para a minha cidade. Eu significo muito para tantas crianças que não têm ninguém, que necessitam de uma liderança nessa situação ruim. Ser um jovem negro, com mãe solteira, em uma família financeiramente instável é muito difícil. Eu quero que todos os jovens saibam disso. Que nós não vamos nos calar e driblar – respondeu LeBron James.

O fato é que muitos esportistas têm status e posições favoráveis à opinião e à influência. Mas não se pronunciam, não se envolvem ou de fato não se importam com determinados aspectos. Atletas de primeira linha são ídolos de multidões, heróis de crianças, têm milhões de seguidores nas redes sociais. Esse pode ser um lugar incômodo para alguns. Para LeBron James, parece ser o lugar em que se sente privilegiado por cumprir uma jornada.