Classificação heroica de 2011 serve de inspiração para Fluminense buscar nova vaga na Argentina

Um Fluminense desacreditado, tendo que decidir fora de casa uma vaga nas oitavas de final da Libertadores e com um jogo complicado pela frente na Argentina. O roteiro parece atual, mas é também de 2011. E o que aconteceu 10 anos atrás, na “batalha” contra o Argentinos Juniors no Estádio Diego Armando Maradona, serve de inspiração para o Tricolor buscar uma nova classificação em Buenos Aires, desta vez diante do temido River Plate, às 19h15 (de Brasília) desta terça-feira, no Monumental de Núñez.

Os tricolores mais céticos podem questionar: “Ah, mas o adversário agora é muito mais difícil do que em 2011”. Sim, por um lado o Argentinos Juniors não tem nem de longe a tradição do tetracampeão River Plate na Libertadores. Mas o contexto na época era ainda mais difícil, o que equilibra a balança. O Fluminense naquele ano fazia uma campanha irregular e vivia momentos conturbados fora de campo, com pedido de demissão do técnico Muricy Ramalho e afastamento de Emerson Sheik.

O Fluminense chegou à última rodada como lanterna do Grupo 3, com cinco pontos. Estava atrás do próprio Argentinos Juniors, com sete; do Nacional-URU, também com sete, e do América-MEX, com nove. O time, então comandado por Enderson Moreira, precisava vencer e torcer por uma derrota dos uruguaios para os mexicanos em Montevidéu. Caso terminasse empatado, o Tricolor teria que ganhar por dois de diferença para igualar no saldo e passar no próximo critério de desempate: número de gols.

Mas, assim como em 2009, na arrancada histórica para escapar do rebaixamento e ignorar a matemática, o Fluminense contrariou as projeções. E tudo começou com um gol de Julio Cesar logo aos 17 minutos de jogo, e o ex-lateral-esquerdo acredita que ter saído na frente naquele duelo fez grande diferença para o resultado final:

– Acho que sim. Foi um ataque surpresa, o Marquinho me viu passando, entrei na diagonal e chutei cruzado. A gente ficou com mais confiança, o time não vinha muito bem, mas começou bem o jogo. Depois tomou o empate, mas continuou jogando bem. E o final todo mundo já sabe. Foi muito legal. Tenho vários jogos marcantes na carreira, mas esse, no Fluminense principalmente, foi com certeza (o mais marcante). Por todo o enredo, a confusão no final, a classificação meio que improvável… Ninguém na época esperava porque tinha que torcer por outro resultado.

Aos 25, porém, Salcedo empatou para o Argentinos Juniors cobrando pênalti que ele mesmo sofreu de Gum. Mas o Tricolor voltou à frente do placar ainda no primeiro tempo com Fred, em uma bomba cobrando falta e contando com a ajuda do goleiro Navarro aos 39. Os minutos finais da etapa inicial foram de pressão dos argentinos, e Niell chegou a acertar uma bicicleta na trave de Ricardo Berna. O Fluminense se defendia como podia, mas foi castigado por uma falta de sorte.

No início do segundo tempo, Oberman, que havia acabado de entrar, arriscou um chute despretensioso de fora da área, mas a bola desviou em Valencia e empatou o jogo de novo. O Tricolor sentiu o golpe e viveu seu pior momento na partida nos 13 minutos posteriores ao gol sofrido. Até que a sorte virou e deixou Rafael Moura com o gol aberto, em um rebote de escanteio. O Fluminense voltava à frente do placar aos 22 e renovava as esperanças.

Quando o cronômetro marcava 41 minutos, a partida no Uruguai terminou em 0 a 0. A vitória parcial por 3 a 2 na Argentina não era suficiente. Faltava um gol. E no minuto seguinte, o volante Edinho curtiu uma de atacante, foi lançado por Araújo na área, driblou o goleiro Navarro e foi ao chão. O árbitro colombiano Wilmar Roldán não hesitou e deu pênalti, para surpresa de muitos tricolores:

– Juiz contra os brasileiros, o histórico costuma atrapalhar bastante. Mas esse não tinha como não dar, né? Não é normal no fim, principalmente fora de casa, mas Deus tocou o coração dele (risos) – brincou Julio Cesar.

Fred chamou a responsabilidade, pegou a bola e cobrou no ângulo para fazer 4 a 2. Os minutos finais foram de “bico para onde o nariz aponta”, e os de depois do apito do árbitro de uma pancadaria generalizada entre jogadores e membros da comissão técnica. Os argentinos, eliminados, apelaram para a violência, mas não podiam tirar das mãos tricolores a classificação para as oitavas de final.

– Foram muitos momentos decisivos, como o próprio pênalti no fim e a frieza do nosso capitão; a gente soube se defender bem quando precisou, depois teve uma confusão grande no fim. Foi muito mérito do grupo, do espírito da equipe. O Enderson Moreira conseguiu, com tantas dificuldades que enfrentamos, unir grupo de maneira simples. Com certeza (foi um dos mais marcantes), não só pela classificação, mas pelas circunstâncias – lembrou Ricardo Berna.

Berna, que é uma inspiração para Marcos Felipe no Fluminense, também saiu em defesa do goleiro em meio às críticas recentes da torcida e deu um conselho para a tensão que vai ser o jogo na Argentina:

– Grande goleiro ele já é, por ter conquistado a titularidade. Nessa profissão, temos que estar provando… Não para ninguém, mas sendo desafiados, provados o tempo todo. Tem que encarar como mais um desafio para tirar de qualquer zona de conforto, dar um passo adiante na carreira e melhorar seu nível.

Desta vez, uma vitória simples do Fluminense basta para a classificação como líder do Grupo D. Se perder, vai depender de um tropeço do Junior Barranquilla contra o Santa Fé. E em caso de empate e vitória do seu carrasco colombiano, os dois terminarão com nove pontos, e a classificação será decidida por saldo de gols; gols marcados ou gols feitos fora de casa. Segundo cálculos do matemático Lauro Araújo, o Tricolor tem 33,5% de terminar em 1º e 46,9% de ficar em 2º.

Para Julio Cesar, que atualmente gerencia o “Centro de Esportes e Lazer JC” no Rio de Janeiro e tem planos de estudar para ser treinador, aquele jogo de 2011 será usado como forma de motivar o time. O ex-lateral-esquerdo disse que irá assistir à partida e demonstrou otimismo pela classificação:

– Acredito que sim, principalmente porque o capitão é o Fred, que viveu tudo aquilo. Tenho quase certeza que antes do jogo, de repente na preleção, ele possa usar esse jogo como exemplo. Mostrar para a garotada que tem condições, sim, só depende deles. Em 2011 dependia de outros times, agora é diferente. Apesar do adversário ser mais forte, Fluminense vem fazendo uma boa Libertadores. Vou estar na torcida, vai ser 2 a 1. Sofrimento já basta daquela vez, agora espero que seja mais tranquilo.

Morando em São José dos Campos, no interior de São Paulo, onde gerencia com a ex-goleira Thais Picarte a “BP Soccer Academy”, uma academia voltada para desenvolvimento de crianças e adolescentes, Ricardo Berna crê que o feito de 2011 pode servir de inspiração, mas para resgatar a confiança. Ele também disse que assistirá o jogo pela TV e foi mais um a acreditar no time atual:

– Eu só gosto de olhar para o retrovisor para ultrapassar. Se for para os jogadores de hoje se lembrarem para buscar inspiração… Mas olhem para dentro primeiro, para o que podem produzir dentro de campo, e para tudo que já fizeram para vestir essa camisa e chegar até aqui. Vai ser com vitória do Fluminense, tomara que seja mais tranquila para guardar (vitória sofrida) para a final.