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Não parece, mas essa é uma frase problemática, e com certeza ela já foi usada por 9 em cada 10 pessoas que lerão esse artigo. Eu me incluo nessa estatística. Geralmente nós a usamos nas legendas de fotos à frente do espelho da academia, imagens com um livro na mão ou de corpos iluminados por um lindo cenário paradisíaco, postadas nas redes sociais.

E a princípio, não há nada errado com isso, mas será que não?

Bem, temos três pontos a destacar: a indústria da motivação, as redes sociais e os transtornos da mente. Falemos da primeira, que é composta pela industrialização do desenvolvimento pessoal, que surgiu ainda na revolução industrial, mas explodiu há cerca de três décadas, com palestras, livros e filmes; as suas fórmulas quase não variaram ao decorrer dos anos, e o mercado só cresceu desde então. Os livros de autoajuda preencheram o topo do ranking de vendas da maioria das editoras do Brasil e do Mundo, porém trazendo pouco conhecimento real de mundo, e cada vez mais parecendo livros de fantasia.

Em paralelo, o século XXI trouxe a grande expansão das redes sociais, que foi o meio utilizado pela indústria da motivação para divulgar e contagiar seus leitores e seguidores, e não por coincidência, esse é o século tido como referência no quesito transtornos mentais, como: Burnout, Ansiedade, Síndrome do Pânico e Depressão. Em 2021, um levantamento da B2P, uma consultoria especializada no acompanhamento de funcionários afastados por razões médicas, indicou que tais transtornos ocupam o segundo lugar no ranking das doenças que mais causam afastamento do trabalho. E o assustador é que esse ranking conta com a Covid-19, que só ocupa o quarto lugar.

Esses três fatores, estão ligados, direta e indiretamente, pois os discursos motivacionais feitos de forma genérica e industrial, alavancados pelas redes sociais, tem grande parcela de responsabilidade nos problemas da mente, que podemos ver em algumas das filosofias apregoadas:

  • Só você é responsável pelo seu sucesso.
  • Leia 12 livros ao ano (Autoajuda, claro).
  • Acorde antes do sol nascer.
  • Tome banho gelado.
  • Trabalhe enquanto eles dormem.
  • Medite (somente pensamentos positivos).
  • Tenha um relacionamento de novela e publique fotos.
  • Seja a melhor mãe ou melhor pai e demonstre.
  • Tenha um corpo perfeito e mostre-o.
  • Aprenda um novo idioma e exiba-o em público.
  • Invista 30% dos seus ganhos, e aos 65 anos terá uma casinha no mato, para finalmente descansar.
  • Aprenda a falar em público. (Um dos maiores medos do ser humano).
  • Plante uma árvore, tenha um filho e escreva um livro.

 

Aqui eu usei do exagero como recurso de linguagem, mas eu reconheço que esses objetivos já estão incorporados pelo cidadão comum e é fácil se identificar com alguns dos objetivos, e se faz sentido, então qual o problema?

O problema não está somente no conteúdo, mas na forma. Nós estamos sendo bombardeados pelas redes sociais com discursos que tentam nos convencer a melhorar todas as nossas partes, todas de uma vez e mostrar ao mundo nossa evolução. Porém o efeito é o contrário do que se deseja, pois a pressão é fonte constante de stress, cobranças e insatisfações.

Seguir esses objetivos à risca é muito inconsequente, pois as variáveis para o sucesso não dependem somente da ação de quem executa, pois existem tantas variáveis que são desconsideradas, que chega a ser infantil e simplista garantir os resultados que são vendidos, pois se tira a responsabilidade de quem ensina, transferindo-a para quem aprende, causando o efeito “pressão do sucesso”, que é extremamente danoso à saúde mental.

Sim, é irônico, consumir um produto que deveria nos levar à evolução, mas o resultado é o oposto, mas esse paradoxo gera uma pergunta:

Existe uma solução?

Felizmente sim, e não passa por excluir as redes sociais, pois elas são apenas ferramentas. No entanto, são soluções plurais e adaptáveis, que devemos criar de forma orgânica, com compreensão e cuidado pela nossa persona, e assim conseguiremos fugir dessa histeria coletiva que transformou a evolução pessoal num negócio em formato de linha de produção. Então, passe a questionar as soluções fáceis e frases prontas. Duvidar é saudável e traz evolução.

Evoluir é ótimo, autoconhecimento é maravilhoso, galgar posições na vida, também, desde que partindo de pontos como o acolhimento, aceitação e perdão, e diminuindo a pressão sobre resultados, metas e prazos pessoais, assim o caminho se torna mais leve.

Por fim, objetivo desse texto é alertar sobre o conteúdo que consumimos, e a mensagem é a de que somos indivíduos únicos, e que devemos buscar nosso caminho com paciência. Vale respirar, se observar com carinho, cabe se aceitar, praticar o ato de ser mais leve, se perdoar, desacelerar, recomeçar de um lugar mais calmo e compreensivo, ignorar o constante sentimento de culpa que nos rodeia e principalmente, deixar de acreditar nas fórmulas prontas para a felicidade.

Eu acredito que esse é um bom começo para resistir à tentação de uma vida perfeita!

 

William Silveira é um filho de Mandaguari, securitário formado em Administração, de forte ligação com a literatura e a música, desde a infância.
Ter crescido sem televisão talvez tenha ajudado sua imaginação, pois desde muito novo ele passou a escrever suas histórias e composições, que falavam sobre seus universos imaginários, seus pensamentos conflitantes, suas mazelas diárias e que acabavam sempre em algum pensamento filosófico que nem sempre fazia sentido, mas assim também era a sua mente.