Bandeide e Salvador na Ceia de Natal

Texto escrito por Donizeti Donha*

Dezembro, a partir do dia 15, Salvador e Bandeide tiravam férias do bico de pintar portões das casas da Vila. Atividade com a qual ganhavam a marmita e uma latinha de cerveja LoKal. Diariamente.

´É que eles confiavam na mocinha moradora do Sobrado. Sempre, na Ceia de Natal, ela arrastava os dois para dentro. Para cearem. Mesmo sob os olhares atravessados de tios e tias resmungonas.

E foi assim que aconteceu. A partir das 3 da tarde, visando garantir a ceia, os dois começaram a dar um migué nas imediações da pracinha. Defronte ao sobrado. Dois João-sem-braço, diria alguém que passasse por ali.

A mocinha do sobrado, neste ano, foi mais radical. Buscou os dois, antes mesmo que os parentes chegassem. E providenciou porções de calabresa, torresminho e cerveja Lokal. Latinha após latinha. O calor de dezembro dá uma baita sede, dizia Bandeide, a cada latinha aberta. Fizeram uma fila.

Pelo efeito da cervejinha, os dois não souberam relatar, com certeza, todos os fatos que viram e enxergaram durante a ceia.

Segundo Salvador, tudo começou com o não comparecimento da Tia Alza. Uma parte da família riu. Souberam que ela estava faltando à Ceia para pedir ajuda aos Extraterrestres. 

No depoimento, Bandeide disse que a outra parte da família levantou a voz. Um tio começou a marchar. Mas pisou num rodinho e levou um golpe do cabo.

E o Bandeide conta muitas coisas. Nada confiáveis. Que Tia Simplícia exigiu que retirassem o Papai Noel vermelho da edícula. Diante da negativa dos jovens, os tios que gritavam no jogo do truco, imediatamente, em batalhão retiraram o bom velhinho alvirrubro e trouxeram outro. Todo azul.

Nisso a família se dividiu. Duas mesas. Um grupo de lá, provocando. Um grupo de cá, retrucando.

Conta Salvador que para enxergarem melhor o que estava acontecendo, eles aceleraram o consumo das latinhas de Lokal. Por isso, garantem, não souberam relatar, com riquezas de detalhes, à Rádio Patrulha a guerra de maionese e farofa que deixou vários familiares fora de combate. Ternos e vestidos alugados manchados de ovos e vinho para sempre.

O saldo positivo foi que, pela primeira vez, Bandeide e Salvador levaram um frango assado para casa. Fruto de um salto espetacular do Bandeide que interceptou o galináceo, em pleno voo, antes que explodisse nas ventas de Tia Elcíades.

O tenente que atendeu o caso orientou a todos a retornarem para suas residências.

*Donizeti Donha, professor da Rede Estadual de Ensino.