Antes do Jogo Azul

O uniforme do time da cidade era todo azul. O MEC. O Leão do Norte.

Aninha guardava um antigo desejo. Assistir a um jogo. No Estádio Municipal. Entre a torcida. Nunca.

Ouvia Tatiane. Que sempre ia. As músicas que a torcida cantava. A bandinha, havia uma, muito animada. Seus integrantes ficavam bem embaixo da cabine da Rádio.

Aninha imaginava, em seus devaneios, como era o espetáculo. Colorido. Jogadores como Leões em campo disputando os troféus. Alçando voos, chutes que eram verdadeiros canhões.

Tatiane sabia o nome de todos. Sosa, Lescanho, Tiãozinho, Castro, Polaco… Imitava os gestos deles ao comemorarem os gols. A vibração dos torcedores.

Nem terminava o jogo, Aninha exigia que a amiga passasse em sua casa para contar todos os detalhes. E recontar. E contar de novo, até ficar na memória a cor de cada lance. De cada jogada vibrante.

E prometia a si mesma e para a colega. Que no próximo jogo iria. E experimentava, sozinha no quarto, a sensação de atravessar o grande portão de entrada do Estádio. Passando no meio do entusiasmo da torcida. E chegar bem perto do túnel de entrada por onde os jogadores surgiam para pisarem no gramado.

Isso que causava curiosidade em Aninha. O túnel. Um subterrâneo? Como funcionava? Por onde os jogadores chegavam? O mistério do futebol.

Por vários domingos, Aninha vestia-se, logo de manhãzinha, toda de azul. Roupas, maquiagem, sapatos. Ensaiava passos e os cantos da torcida. Seria neste domingo de qualquer forma, repetia, em silêncio.

Até a hora do almoço, o tempo demorava passar. Ponteiros amarrados. Relógio na parede desmaiado. Ficava no sótão se produzindo. 15 horas, descia pela escada escura. Três lances. A casa era antiga. Ao chegar à porta. Via. Seu pai como um lobo, de atalaia, na porta de saída.

Ele lia sempre o mesmo livro. Grosso. Repetia sempre a mesma opinião. Aninha retornava silenciosamente para o sótão e se desuniformizava. Se desmanchava. Ela e seu sonho de ver o jogo no estádio.

O sol caia. A noite chegava. Tatiane vinha de novo para contar como foi o jogo.

Os cílios postiços azuis de Aninha que tinham se preparado para ver um gol do MEC não se deixavam cair ao chão. Na mesma noite, já recuperavam as esperanças de no próximo domingo irem ver o jogo e cantar no meio da torcida.