A primeira noite adolescente, em Mandaguari

Naquela noite, Mandaguari foi dormir mais cedo. Era uma impressão minha?

Um vazio. Maria Stella. A família dela tinha se mudado para longe. Dentro do meu peito, a cidade toda sofria dormindo.

Não consegui controlar meus pés. Ela tinha nos acompanhado desde o primeiro ano. Tio Patinhas ou Tio Mickey? A dúvida dói. A cartilha Caminho Suave dela tinha decoração de florezinhas.

Na escola, na praça, na esquina. Disputávamos seu olhar. Cada um achando que ela olhava mais para o outro. E isso formava em cada de nós a trinte sensação de inferioridade. E um infantil desejo de revanche. Cada um a queria só para si. Sabíamos o que era o amor?

Para nos consolar, Maria Stella aplicava, em cada um, um apelido carinhoso. Nené, Galinzé, Jujuba, Sagu. E a gente os aceitava com orgulho. Nem dos nossos nomes a gente se lembrava mais.

Todas as outras meninas da sala eram iguais a ela. Sorridentes, inteligentes.  Mas, naquela noite… Maria Stella foi nossa primeira experiência de corte do cordão umbilical. Uma experiência que ia se repetir durante toda a vida.  A cada perda. A cada limite.

Meus pés tomaram o comando. Da Praça Miqueletti, vi pela primeira vez a solidão do luar. Todo. Inteiro. No céu. Amargurado, por sob as árvores e bosque.

Na rua que subia para a prefeitura. Pequenas lâmpadas acesas marcavam a trilha das lembranças de seu violão e de sua voz. Como será nossa escola sem ela? Sem a sua voz

Já na Avenida, doíam outras dúvidas. Como será a nova cidade dela? Se lembrará ainda de nós?

A Fonte Luminosa, na Praça Independência, bem que tentou dar um tom colorido aos devaneios daquela noite, mas minhas lágrimas imaginárias não refletiram as cores dos círculos de água que brincavam solitários sob as estrelas.

Um guarda noturno trilou seu apito. Longe. Quais preocupações aquele homem carregava? A noite pareceu ganhar profundidade. A imagem de Maria Stella seguiu por longos segundos acompanhando o eco do assovio do vigilante, em sua bicicleta calada.

As placas das Casas Buri, Pernambucanas, Riachuelo, Elite Magazine cochichavam na cidade em sono profundo. Será que à meia noite é hora de sofrer?

Sequência de bares e sorveterias. Portas entristecidas como nunca. Por elas, quantas vezes nossa amiga…

O som dos meus passos não cessava. A Estação Ferroviária. Nem um apito de trem para perturbar as saudades já grandes de Maria Stella.

Não sei se pelos  trilhos. Pelo luar. Pelo vento da madrugada. Que aquela noite, a primeira noite sem Maria Stella foi entrando pela história da cidade. Depois foi se desmanchando em fios tênues, pintando, para sempre a noite de Mandaguari com as tintas da saudade.

Nossos apelidos, os apelidos que ela dera, quando amanheceu, foram se desmanchando, nunca mais os aceitamos. E nossos nomes: Vicente, Mauro, José, Mário, Hélio, Sebastião passaram a ser nossas identidades. De novo.