A primeira batida de carro da cidade

De onde brotara a notícia? Veio pelo vento. Bateu as janelas de madeira. Esfriou as panelas nos fogões a lenha. Balançou as roseiras nos jardins. Seguiu rua abaixo.

Uma batida? Um acidente? A maioria nunca tinha ouvido tal palavra. Talvez, por isso, a novidade brilhou tão forte.

Não teve jeito de as mães segurarem as crianças no quintal. O jogo de bola na rua de terra parou. Na hora. As bonecas, abandonadas nas varandas, engoliam o choro. Uma pipa abandonada foi desaparecendo para os lados da Cambota.

Foi um “perna pra que te quero”  geral. De todos os pontos cardeais da cidade.

Da região da Olaria, pela Rua Rene Taccola, os caminhões carregados de café tiveram de dar um tempo.  Tantos eram os meninos e meninas que voavam. Descalços, de chinelas, de sapatos de couro. Em busca da visão do fato inédito.

Ao chegarem às imediações da Prefeitura, deram de cara. Da Vila Vitória, vinha outro tropel de dezenas de olhinhos curiosos. A notícia também tinha chegado lá.

Mas, ninguém sabia onde tinha acontecido. Por isso, o primeiro que rompesse, todos rompiam atrás. Juntos. Ninguém queria perder. Ninguém queria chegar depois. Quem visse o acidente primeiro se sentiria o herói da tarde.

Ao chegarem em frente ao cinema, o Cine Ipiranga,  se surpreenderam. Os colegas da Vila Esplanada também  tinham tomado conhecimento. E vinham que vinham.

Todos em busca de informações concretas.

Somente lá, na Praça das Toras, que depois virou Xanduzão, na rua que descia para o Buracão, um olhar triste, espetava por entre as balaústres da cerca. Lágrimas e poeira. O Decinho Júnior, espiava, ansioso.

Um olhar comprido. Sua mãe tinha sido mais rápida. Com o chinelo  havia acertado  a  taramela do portão da rua. O assovio da havaiana fez Decinho congelar. Na hora.

Talvez ele tenha sido a única criança da cidade a não testemunhar o fato. Passou meses, anos, a vida toda ouvindo os detalhes sobre o caso. O carro de rodas pro ar. Os policiais fazendo a segurança. O cachorro que urinou no pneu da rádio patrulha.

Foi assunto por muito tempo. Até hoje, ainda, muitos dos seus conhecidos recontam o caso do primeiro acidente envolvendo carro na cidade