Dia Internacional da Não-Violência contra as mulheres

Artigo escrito por Tânia Gomes*

Vinte e cinco de novembro é o Dia Internacional da Não-Violência contra as mulheres. A decisão foi tomada no Primeiro Encontro Feminista Latino-Americano e do Caribe para homenagear as três irmãs Mirabal que lutaram na República Dominicana contra a ditadura de Trujillo. Em 25 de novembro de 1960, elas foram assassinadas e o governo militar alegou ter sido um acidente. Acidentes aconteciam muito no governo militar. Lembremos Zuzu Angel e Vladmir Herzog.

A Convenção de Belém do Pará define como violência contra a mulher, qualquer ação ou conduta baseada no gênero que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, seja no âmbito público ou privado. Desde a década de 1990, a Organização Mundial da Saúde (OMS) considera a violência contra as mulheres uma questão de saúde pública de caráter epidêmico e uma violação dos direitos humanos.

Considero o dia Internacional da Não-Violência contra as mulheres mais potente do que o dia Internacional da Mulher, quando costumamos receber flores, bombons e mensagens alheias à realidade. Receber flores e doces em 8 de março e tiros e facadas nos demais dias não me parece muito sensato. Não há mimos que nos façam esquecer que o Brasil é o quinto país do mundo onde mais se matam mulheres em função do gênero, isto é, pelo único fato de que sejam mulheres.

Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, em 2019, 3.737 mulheres foram assassinadas no Brasil; 66% negras. A maioria das vítimas foram mortas pelos seus parceiros ou ex-parceiros íntimos. Além disso, 33,3% perderam a vida dentro de suas casas. Foram 266.310 registros de lesão corporal dolosa em decorrência de violência doméstica; 729 brasileiras agredidas por dia; 55.499 estupros; 5.676 tentativas de estupro, 4.536 casos de assédios e 8.068 casos de importunação sexual. Este último consiste em praticar ato libidinoso contra alguém e sem sua anuência, como homens ejaculando em mulheres dentro dos transportes coletivos. Não é o desejo sexual que os move, mas o desejo de poder sobre o corpo feminino.

Muitos dizem que os homens também sofrem violência e isto é verdade. Aliás, a sofrem até mais do que as mulheres em função de um modelo de masculinidade tóxica que os empurra para brigas, discussões e atritos diversos. Contudo, esta violência é majoritariamente praticada por outros homens, especialmente quando analisamos a violência sexual. Segundo dados do Ministério da Saúde do Brasil, 88% dos agressores sexuais são homens.

A OMS afirma que 35% das mulheres no mundo, moradoras de países desenvolvidos ou em desenvolvimento, sofrem violência. Na América Latina o índice é de 50%. A pandemia de Covid-19 serviu para dar visibilidade a casos de violência doméstica na China, França, Espanha, Estados Unidos, Alemanha, Reino Unido, Austrália, Itália, Canadá, Singapura, Malásia, Chipre, Peru, Argentina, México, Colômbia, etc. Na Argentina uma mulher foi trancada pelo companheiro em casa e queimada viva. No México, outra foi violentada, estrangulada e jogada em um terreno baldio. No Brasil uma em cada quatro mulheres sofreu violência durante o período de isolamento social.

Quando realizei minhas pesquisas para o pós-doutorado em História, em 2013, entrevistei uma moradora de Mandaguari que me contou ter sofrido violência conjugal. Quando contou à mãe, ouviu o seguinte conselho: “Quando ele chegar bêbado, bravo, você pega as crianças e corre, esconde fora de casa até ele acalmar!” Foi uma das narrativas mais dolorosas que colhi nestas mais de duas décadas trabalhando com a metodologia da história oral de vida das mulheres. Em tempos de isolamento social, para onde correriam as mulheres? Por isso, as palavras de Dolores Iglesias, uma jovem argentina de 21 anos que perdeu a mãe e as sete irmãs assinadas pelo padrasto durante a pandemia, é de enorme potência: “Nenhuma máscara nos protege da violência, esta é a verdadeira pandemia”.

Todavia, o confinamento não é a causa da violência, ele apenas a visibiliza. Em 1905, Joana Maria Ramos foi morta por um pretendente que se irritou com o fato dela dar atenção a outro homem; Anna Levy Barreto foi assassinada em 1912 pelo marido enciumado; em 1976, Ângela Diniz foi morta por Doca Street e acusada de promíscua pelo advogado do réu que alegou como causa do crime a legítima defesa da honra; a cantora Eliana de Grammont foi morta com um tiro do peito, disparado pelo ex-marido Lindomar Castilho, que afirmou amá-la; em 2010, Elisa Samúdio foi morta pelo goleiro Bruno. A imprensa enfatizou a condição de garota de programa da vítima e houve manifestações populares, inclusive de mulheres, em defesa do assassino.

Mandaguari não fica atrás nesses acontecimentos lamentáveis. Em 2020, a jovem bailarina Maria da Glória Poltronieri Borges, a Magó, foi assassinada por Flávio Campanha. Disseram alguns e algumas: “O que uma moça foi fazer sozinha numa cachoeira?” Em 2021, Eliane Pedrina Henriques, foi encontrada morta com ferimentos de arma branca desferidos por Dalcir Bortolanza, um homem até então pacato e amigo da vítima. Ouvi alguns comentários bastante cretinos contra a conduta desta jovem que trabalhava muito para cuidar de 5 familiares idosos. A maioria das vezes estas falas saíram da boca de outras mulheres.

Por tudo isso, o dia 25 de novembro precisa ser um dia de reflexão. Porque ainda ganhamos salários menores, ainda não ocupamos espaços de poder político no mesmo percentual dos homens, ainda denigrem nossa moral, ainda violam nossos corpos, ainda nos matam, ainda adoecemos física e psicologicamente por causa das violências.

Contudo, nenhum tiro, nenhuma facada é mais letal do que os discursos ideológicos que buscam quebrar nossa sororidade e nos transformar em inimigas umas das outras. É uma lástima que mulheres critiquem o feminismo sem conhecer efetivamente o que ele significa de potência. O feminismo é um movimento social, político e filosófico que propõe direitos iguais entre homens e mulheres e graças a eles hoje podemos estudar, votar, trabalhar. São muitas e diversas as pautas defendidas pelo movimento. Há movimentos feministas pró-aborto e pró-maternidade; feminismo católico e protestante, feminismo negro e indígena, lésbico e transfeminismo, há feminismo asiático, norte-americano, latino, europeu. Assim como há partidos políticos de direita, de esquerda, de centro e nem por isso podemos negar a importância de termos partidos políticos.

Quando mulheres criticam o Movimento Feminista ou apoiam políticos misóginos como Jair Bolsonaro todas nós perdemos força. No dia 25 de novembro desejo que cada mulher reflita sobre como lutar contra todas as formas de violação dos direitos das mulheres e meninas e que os verdadeiros homens se juntem a nós nessa cruzada humanitária.

*Tânia Gomes, é doutora em História, professora no Mestrado e doutorado do Programa de Pós-Graduação em Promoção da Saúde da Universidade Cesumar, pesquisadora das questões de gênero, feminismo, violência e adoecimento feminino. É presidente e co-fundadora, junto com o Dr. Osvaldo, da Comunidade Social Cristã Beneficente, em Mandaguari.