Quem era você na Festa Junina?

Ninguém prestava atenção na passagem do tempo. Ninguém punha sentido na festa junina. Mas quando o sexto mês chegava. Era um choque. Um terremoto. Todo mundo queria a festa. Se concentravam. Passavam a pensar nas roupas, nos passos, nos pares. E quem ia organizar, então?

Seo Nicácio, ex-alfaiate, que ganhava a vida, agora, vendendo terrenos e casas, sempre tinha poucas, pouquíssimas palavras em suas previsões para os festejos de junho. Faz vinte anos que é a mesma coisa, as mesmas briguinhas e as mesmas soluções, dizia e fugia para o seu canto ou algum loteamento perdido na cidade.

Nem bem madrugava o dia primeiro de junho, a atmosfera junina aterrissava junto. Mesmo sem terem chegado os ingredientes, os aromas e cores da pipoca, da paçoca e de quentão flutuavam entre as árvores e postes das calçadas, entravam pelas janelas das casas, invadiam as lojas, passeavam pelos corredores escolares. Os dias tornando-se mais saborosos, cheirosos. A impressão que todos moradores passava era que a festa ia se instalar naturalmente, ninguém precisava se preocupar.

Todos queriam, mas ninguém queria dar palpite. É que Dona Benê Dita carregava a fama de maior organizadora da Vila. Dedicava-se tanto, tintim por tintim a cada detalhe das festas. Corria nas casas das costureiras. Despachava-se para as chácaras em busca do melhor gengibre e do melhor amendoim. Era a dona. Quem se atrevesse a dar algum pitaco poderia levar uma sabugada no pé do ouvido. Ela sentia que era amada por todos por realizar tantas atividades. Precisava de junho.

Tecidos xadrezes chegavam às lojas, seguiam para as costureiras. Chapéus de abas desfiadas. Panos para imitar remendos nas calças dos peões festeiros. Uma turma buscava, na roça, palhas de milho para os cavalheiros usarem nos bolsinhos do paletó. Carvão para as moçoilas inventarem pintas charmosas nas bochechas rosadas.

Uma confusão começava. Era a Manuele. Ela sempre chegava com ideias inovadoras. Queria a todo custo estabelecer rupturas na rotina da festa. Fosse nas roupas, nas danças ou nas barracas. Ela queria mudanças. O sufoco acontecia. Ela falava alto. Dava de dedos. Chegava um momento em que Manuele se cansava. É que cada um estava se preocupando somente com suas próprias fantasias.

E o sanfoneiro? Não havia mais. Sempre difícil encontrar, reclamava Dona Neuzinha do Seo Luiz da Farmácia. Aliás, Dona Neuzinha, bastava o mês de junho chegar, ela se metamorfoseava. De manhã à noite, saía de casa em casa, ajustando uma calça xadrez aqui, um remendo numas calças acolá, ensinando um passo de dança para este, mostrando um cacoete caipira para aquele. Ela era a incansável. Participava da reunião da organização das barracas. Da reunião do casamento caipira. Da reunião da dança da quadrilha. E mais reuniões houvesse, lá ela estaria.

Terminando junho, Dona Neusinha desaparece, mas é certeza que no ano que vem ela reaparece em todo seu esplendor. Participar, ajudar ela necessitava muito disso.

Outra briga grande era a escolha do padre casamenteiro. Muita gente queria ser. O Tonho do Bazar, no ano que não foi mais o escolhido, entrou num parafuso, numa crise, achando que ninguém mais o amava, passou até ater medo de discos- voadores, mulas sem cabeça e fim do mundo.

Conforme os dias de junho se atropelam, o burburinho cresce. As reclamações se multiplicam. As disputas também. A noiva da festa junina, então, é a escolha mais difícil da festa. Novas questões pipocam a todo momento. Um não quer isso. Outro não quer aquilo. Muitos falam que vão abandonar. Vão para casa. Depois voltam. Ameaçam. É um Deus-nos-acuda.

Mas, na noite de São Pedro, o espírito junino brota do chão. Um clarão ilumina os corações. Das esquinas. Das janelas. Quinze voluntários correm para as barracas. Aparecem 6 sanfoneiros. Dois padres, muito bem paramentados, Seo Julio da Almerinda e seo Ditinho da Conceição. É doce pra todo lado. E a quadrilha? Que teve tanta briga? E ninguém acreditava que ia ter. Aparece esplêndida. Parece que teve 900 ensaios. De tão bonita. Sincronizada, ajustada, alegre.

Quando a Lua gelada das noites de fim de junho vai se escondendo entre nuvens frias, os festeiros se dão conta de que é hora de ir embora. Foi bom demais, sô. E para o ano que vem? Ninguém, se preocupa. Lá, em junho, outro milagre acontecerá. Certeza.