O pouso do grande avião em Mandaguari

Ninguém esperava. Cada qual concentrado em seu trabalho. A roupa no tanque. A construção da casa de madeira. A espera de passageiros no ponto de taxi. A lição no quadro negro. A comida no fogão.

Primeiro chegou o ruído. Assustador. Motores urravam no céu da cidade. O efeito foi devastador. Sustos. Preocupação.  Conforme o barulho se aproximava, pessoas se descontrolaram. Uns com medo de olhar para o céu. Outros correndo pelos quintais.

Joaquim parou por um momento em uma das três portas do seu estabelecimento. A terceira ele nunca dava autorização para abrir.  Havia pensado muito. Se ia. Não ia. Num impulso achou melhor ir. Assim, que as funcionárias se distraíram, deu o passo decisivo. Foi.

Quando a fera voadora  finalmente se aproximou foi o delírio. Um grande avião, como nunca, tomava os céus da cidade. Fregueses abandonaram os bares para ver. Funcionárias das lojas de tecido. Farmacêuticos, alfaiates, ensacadores. O meio da rua tomado. Senhores usavam o chapéu para tapar o sol. Mulheres faziam anteparos com as mãos. Ninguém queria perder a visão.

Na liberdade da rua, Joaquim, o comerciante,  respirou fundo. Iria à casa de Marcela. Por quanto tempo tinha esperado, sonhado, contado com esta felicidade? As calçadas recém pintadas com cores alegres sentiam a sinfonia dos seus passos. As flores amarelas das sibipirunas caindo em gotas como um licor inebriante desenhavam notas musicais no asfalto pena construído.

Na emoção, ninguém se lembrou de contar quantas voltas a poderosa nave fez sobre a cidade. Uns juravam que tinham sido seis voltas. Outros garantiam que foram mais de dez. Questão que se prolongou por anos. Qualquer conversa sempre descambava para a discussão. Por conta disto, casamentos foram desfeitos, gerentes de bancos  perderam clientes,  amizades só foram atadas dez anos depois.

Na loja, as funcionárias, ao verem que Joaquim desaparecera no final da primeira esquina, comemoraram. Há muito tempo aguardavam que o patrão recuperasse a alegria. Tinham tramado tão bem que ele  nem percebera como elas tinham encaminhado as coisas. Trabalho de formiguinhas.

Quem acreditava que o aeroplano ia descer em Mandaguari?  Mesmo vendo-o circulando, circulando, quase ninguém podia crer. Mas, logo a seguir, uma enorme nuvem de poeira se levantou na direção do Aeroporto. Foi a confirmação.

Na sua pressa incontida, Joaquim nem reparava a onda de alegria e de sustos que o grande avião provocava ao percorrer os céus da cidade.  Nem que poderia caminhar à vontade por entre as casas que ainda cheiravam à peroba do mato. Tirou o pedacinho de papel do bolso. Ah. É logo ali que Marcela mora.

Naquela noite, nos lares, nos bares, as noticias chegavam desencontradas. É um avião de guerra.  É o presidente da Companhia que veio trazer dinheiro. Em outros pontos, pequenas multidões ouviam que era o fim do mundo. A cidade demorou para dormir e dormiu preocupada.

As funcionárias fecharam o caixa. Joaquim retornou. Elas, nem um pio. Continuaram a trabalhar, mas de rabo de olho examinavam o patrão na tentativa de localizar algum fiapo de alegria.

No outro dia, Joaquim concordou. Que abrissem a terceira porta da loja!