O homem do lobo
João Juvêncio quanto mais corria. As portas da grande empresa iam se fechando atrás de si. À frente, a neblina embaralhando sua vista.
Já somava muitos minutos de fuga procurando a saída.
Saíra de casa cedo, cedinho. Iniciar o dia de trabalho na Piatex. Com o pé direito. Inverno. Cerração. No caminho, viu o que nunca havia visto anteriormente.
Uma outra empresa. Letras grandes sobre as portas de entrada. Disto Pias era o nome. Conseguiu ler.
Tentou resistir. Como daquela vez na infância, não resistiu a puxar e abrir e a olhar porta adentro de um quarto no Hospital grande da cidade.
A bronca que recebeu do enfermeiro ainda batia como sino em seu cérebro. A repetição da bronca em seu cérebro tinha lhe criado o pavor incontrolável da curiosidade.
Por isso adentrou a estranha empresa? Agora não conseguia sair. Ofegava. Já tinha passado por cinco portas. Procurava desesperado a saída. Não achava.
Provavelmente já estava perdendo o horário de entrada na Piatex. Ia levar falta. O desconto no salário. A mãe com as mãos na cintura. O enfermeiro rindo.
Uma luz, um farol, uma lâmpada fraca. Atravessou a grande porta. Alta, cinza. Teve de saltar uma mureta para sair. Viu a Avenida. Estranhou. Carroças, charretes e caminhões de tora.
Não era a Avenida tão sua conhecida. De sua infância. Por onde ia à escola. À praça. Estava mudada. Homens de ternos nos bares anunciando lotes de terra. Lojas grandes que ele nunca tinha visto. Pernambucanas, Buri, Riachuelo.
Apavorado. Encostou-se ao muro mais próximo. Esperava alguma bronca? O enfermeiro? Através do medo, observou na outra esquina, um movimento. Jovens assoviavam e se punham a correr maravilhados. Em disparada. Em gargalhadas.
Atrás deles, perseguindo-os um homem trajado com um uniforme de guerra, bem gasto pelo tempo. E seu cachorro preto. O lobo.
É que os assovios dos jovens pareciam tiros e mísseis de guerra na cabeça daquele senhor.
O Homem do Lobo ao vê-lo, encostado ao muro, não tinha condições de distinguir João Juvêncio dos jovens que o atormentavam assoviavando e, de braços erguidos, transtornado, partiu para cima do rapazinho.
João Juvêncio, no desespero da hora, no momento, com medo do Homem do Lobo, tentou atravessar correndo a Avenida. Não deu tempo. Um caminhão, destes que transportam toras, buzinou. Tão alto, tão alto, tão alto. Ainda deu tempo par João Juvêncio ver o enfermeiro manobrando o volante do caminhão, tentando frear.
Nunca, na vida, João Juvêncio aceitou que aquela buzina que o aterrorizou tinha sido a sirene da Piatex chamando todos para entrar. Primeiro aviso.
Por dias, por anos, João Juvêncio procurou a empresa pela qual entrara naquela manhã e se perdera dentro dela. Nunca descobriu nada. Até que um dia reapareceu na cidade um antigo colega de todos, muito conhecido. Tinha desaparecido sem deixar pistas. E quando ele tentava explicar o que tinha lhe acontecido, todos zuavam. Só João Juvêncio entendia.