Confira a coluna Retrovisor deste sábado (11)

João Juvêncio ouviu a novidade. Ficou curioso. Matutou. Também vou lá. Tenho de dar um jeito. Por semanas prestou atenção nas conversas dos colegas mais vividos da sala. Os mais experientes, aqueles que dominavam a escola. Em todos os quesitos. Futebol. Namoros. Convesas.

Demorou muito para entender qual era o teor das conversas sobre as novidades. Mais tempo ainda gastou para decifrar o que era. Uma tal de uma casa que ficava retirada da cidade Iluminada por muitas  luzes coloridas. Qu Que só funcionava à noite. E que era muito alegre.

Com um pouco mais de meses, João Juvêncio, economizando até no lanche, amealhou suficiente grana para ir visitar o paraíso. O local. A casa colorida. Retirada da cidade.

Não escolheu dia. Foi num de repente. No intervalo das aulas noturnas. Queixou-se ao diretor de  uma dor de cabeça-mãe. Ganhou passe livre. Pegou a bicicleta. Partiu.  Escondeu a magrela no pomar. E descobriu a América.

A casa colorida era realmente do jeito que seus amigos pintavam. João Juvêncio aprendeu muito naquela noite. Principalmente, que o tempo não para. Que hora é hora. Ganhou muitos doces. Docinhos. Dengos. E “vem cá, meu bem”.

Resultado, quando João Juvêncio olhou para o relógio, um patacão de um Orient azul, as horas já tinham passado muito muito além do horário padrão de chegar em casa. Dar boa noite para  a mãe e para o pai. Tomar um gole de café puro e brucutu na cama. Tinha perdido a hora. Mas, perdido bem perdido. Umas três horas, ao menos.

Não arrependido, pedalando a bicicleta de volta para a casa, nem se dava conta das preocupações dos seus pai. Estes já tinham percorrido as ruas. Ido à escola. Procurado nos hospitais. Delegacias. A vizinhança já estava  reunida no portão. Um repórter já  havia chegado ao local.

De longe, João Juvêncio viu a cena. Acelerou na pedalada. E chegou freando. O povo veio pra cima dele. Preocupados, querendo saber o que tinha acontecido. Mãe e pai, de mãos postas, agradeciam aos céus.

Diante da enxurrada de perguntas, João, sentindo-se orgulhoso, como nunca, por ganhar uma noite de centro das atenções, não titubeou. E disse:

– Eu estava retornando da escola, pensando nas estrelas e nos planetas, quando, sem mais nem menos, seis bolas azuis surgiram, abaixo das nuvens, e começaram a me seguir. No começo não dei bola. Elas vieram se aproximando. Tentei fugir quando vi que era uma perseguição.

Conforme João contava, o pessoal se juntava mais, como se sentissem medo e curiosidade ao mesmo tempo. João percebeu que, naquela noite, ele era, mesmo, o astro da quebrada.

E, se aproveitando, apimentou mais o causo. Disse que as luzes na verdade eram naves extraterrestres. Que o capturaram. Levaram para uma delas. Toda faiscante em vermelho e lilás. Com muita música. Doces e dengos.

Também contou que tiraram sangue dele. As roupas também, para fazerem uma abreugrafia do corpo inteiro. Depois o abandonaram na mata, na entrada da cidade. E que os ETs avisaram para não relatar para ninguém o caso, senão eles retornariam e o levariam para sempre para o planeta deles.

Depois desta noite, em que ganhou muitos chás, aplausos, tapinhas nas costas e um olhar de esguelha da menina mais bonita da quadra, João célebre se tornou. Não só era cumprimentado por todos, era convidado para todas as festinhas. Até padrinho de formatura era disputado. Na escola, os alunos mais experientes também queriam ouvi-lo.

João subiu. Tornou-se astro.

Com a passagem dos meses, aos poucos foi caindo no esquecimento do pessoal, nem bom-dia recebia mais. As meninas já tinham novos heróis. João foi percebendo como é dura a vida de anônimo.

E, sofrendo esta dor, vinha retornando da escola, noturna, todos os amigos já tinham cada um entrado por uma das ruas do caminho, tanto que ele estava sozinho, com a sua dor. Caminhando como um ex-ídolo. Carregando seu passado de glória e seu presente de nada.

Foi nesta situação, escura, da noite e da alma, que ele viu com os seus olhos que a terra  há de devorar. Seis luzes, no céu. Vindo em sua direção. Trocavam de cor a cada manobra. E se aproximavam como quem não quer amizade.

João correu como quem  corre atrás de um prato de comida ao meio-dia. Vazou a noite pulando boeiros, placas de trânsito, cachorros latindo. Chegou em casa com os bofes saltando boca a fora.

Não teve coragem de contar para seo ninguém. Manteve-se com a boca fechadíssima. Um vizinho, um senhor que costumava ficar na varanda, cadeira de balanço, observando a rua e os céus foi quem registrou.

E garante, durante sete anos, João Juvêncio foi perseguido implacavelemente pelas naves dos ETs. Na mesma data do ano. No mesmo horário. Como se estivessem cobrando alguma coisa dele. Só João Juvêncio sabia qual era sua dívida com os habitantes da outra galáxia.