Loki: estreia tem clima de thriller dos anos 90 e “desconstrução” do herói

Loki sempre foi um dos personagens mais fascinantes do MCU. Suas aparições como vilão “raiz”, em Thor e Os Vingadores, foram inclusive, notavelmente, uma exceção à regra de antagonistas fracos nas primeiras fases do universo cinematográfico da Marvel – e a nova série do personagem, intitulada simplesmente Loki, sabe bem disso.

Por causa do carisma de seu “herói”, o primeiro episódio da produção, que estreou hoje (9) na plataforma de streaming Disney+, tem a confiança necessária para respirar fundo e mergulhar de verdade em seus personagens, sem se apressar para montar as cenas de ação épicas que são típicas do MCU – confiança que Falcão e o Soldado Invernal não teve, por exemplo.

Aqui, acompanhamos o deus da trapaça (Tom Hiddleston), que é preso por agentes de uma organização denominada AVT (Autoridade de Variação Temporal) logo depois de fazer sua fuga com o Tesseract – cena que vimos em Vingadores: Ultimato, e que a série recapitula rapidamente em seu início.

Nas dependências dessa organização com cara de repartição pública burocrática, Loki quase é condenado à morte (ou algo parecido) por interferir no que os agentes chamam de Linha do Tempo Sagrada. Quem intervém em seu favor é o agente Mobius (Owen Wilson), que acha que o deus da trapaça pode ajudá-lo com um caso especialmente difícil.

A partir daí, o espetáculo é ver Hiddleston e Wilson em pleno combate em cena, enquanto o roteiro de Waldron destrincha cuidadosamente a jornada moral de Loki no MCU. São cenas que fazem jornada dupla na narrativa: servem para o próprio protagonista se confrontar com as suas razões e a sua moralidade; e para nós (os espectadores) nos lembrarmos que o Loki que vimos fazer a travessia de vilão para (anti-)herói durante a franquia da Marvel é o mesmo que estamos assistindo aqui, nessa série – ele só não chegou lá ainda.

O roteiro maneja essa dobradinha com brilhantismo, e pelo caminho ainda faz o MCU encarar questões que nunca se perguntou antes, ou ao menos não com essa seriedade: o que é destino, e o que é escolha, na criação de mitos de uma história de super-heróis? Qual é o destino de um vilão, e como mudá-lo? Hiddleston, com a mistura hábil de medo, pesar e astúcia que sempre aplicou ao seu Loki, é o intérprete perfeito para expressar esse conflito.

Não me levem a mal, no entanto: Loki é também um espetáculo visual, só não da forma como aprendemos a esperar da Marvel. Aqui, a diretora Kate Herron (Sex Education) e o designer de produção Kasra Farahani (Capitã Marvel) encantam o espectador de olho fino ao criar um mundo que remete tanto a thrillers de investigação quanto a épicos de ficção científica dos anos 1990.

A sede da AVT, com suas estátuas gigantes, prédios circulares adornados de dourado e carros voadores, é puro O Quinto Elemento. Já a construção visual do personagem de Wilson e dos outros burocratas que trabalham por lá, com suas gravatas finas, jaquetas surradas e cores mudas, remetem diretamente a um Se7en ou um O Silêncio dos Inocentes.

São referências que, inclusive, combinam com a abordagem caótica que a série faz da viagem no tempo, e com o o ângulo de mistério criminal de sua narrativa, respectivamente. E também são referências que foram citadas pela equipe da série em entrevistas antes da estreia – como tudo no MCU, nada em Loki parece ser por acaso.