“Ao pensar sobre violência contra a mulher”

Hoje quero chamar a atenção para outro tipo de abuso e violência contra as mulheres que pode se tornar tão devastador quanto ou mais que uma agressão física ou sexual. E é tão natural que pode estar acontecendo agora, aí na sua casa.
As mulheres que são ou foram vítimas de violência e maus tratos, são pessoas que acreditaram no amor e receberam dor. Não escolheram viver esse mal, porém vivenciam e continuam a vivenciar, porque se sentem presas. Muitas vezes existe uma situação de dependência e co-dependência, que caracteriza o adoecimento psicológico grave.
Em meu consultório é comum receber mulheres que sofreram ou sofrem atos de abuso e violência psicológica e não o percebem. São mulheres, mães de família, vivenciando abusos, maus tratos e sobrecarga de trabalho, sem se darem conta que são vítimas. Muitas relatam que, quando se casaram, não imaginavam que a relação conjugal poderia mudar tanto, no sentido de ser bem tratada enquanto namorada e ser destratada agora enquanto esposa. Relatam desprezo e solidão. Estão decepcionadas com suas escolhas e possuem relacionamentos doentios. Buscam compreender porque estão tão cansadas, esgotadas, com a saúde debilitada.  É comum elas apresentares sintomas de depressão ou transtornos de comportamento.
São as mulheres que trabalham duro a vida toda. Seja para ajudar o marido a sustentar a casa, estudar os filhos ou ter liberdade para comprar. Suportam um trabalho que não apreciam por anos e anos, servindo de apoio para o bem-estar da família sem se perguntar: e o meu bem-estar? E depois que criaram os filhos e se aposentam, são levadas a agora ainda “ ajudar” cuidar dos netos. Quando só ajudam é maravilhoso, a dificuldade surge com o abuso e o esgotamento. 
Nesses casos onde a mulher trabalha, vemos como agravante a desigualdade salarial e de oportunidade. Onde, no mundo do trabalho, os homens valem mais, e no mundo da família, outra desigualdade, onde só as mulheres têm obrigação com a alimentação, manutenção da ordem e limpeza da casa. Infelizmente, muitas mulheres que trabalham fora de casa enfrentam todos os dias o segundo turno sozinhas, enquanto os filhos e o marido estão alimentados e limpinhos assistindo tv. Isso é desumano. 
Esse tipo de abuso, com a sobrecarga do serviço doméstico e a criação de filhos e netos, é bastante cultural e tem sido perpetuado ao longo da história. Porém, agora vemos um questionamento nas mídias sociais “se todos sujam, porque só as mulheres limpam? Se todos comem, porque só as mulheres cozinham? É necessário, um olhar mais atento com as pessoas que sempre cuidam. Quem cuida delas? ”. Outro dia, li a seguinte frase: “mãe é aquela que leva ao médico os filhos, o marido, o sogro, a irmã, o pai e mãe, mas quando fica doente, vai sozinha”. 
Isso precisa mudar. Muitas pessoas nem sequer enxergam essas coisas como abuso e violência psicológica. Muitas mulheres falam que está tudo bem, porém no fundo, bem escondido, trazem um sentimento de desencanto e até tristeza. Sentem-se usadas e abusadas, mas não confessam. Muitas mulheres não recebem atenção, carinho, elogios e amor por parte do marido e dos filhos. Atendem todas as exigências e necessidade de todos, e acabam por nem se dar conta de que tem exigências e necessidades que não foram atendidas nem por ela mesma, quem dirá pelo outro. Por essa razão estão sempre irritadas e nervosas. Vivem infelizes e até solitárias, mesmo estando rodeada pela família e com um sorriso no rosto. Algumas filhas olham para a vida que a mãe teve e a rejeitam veementemente. Outras, repetem o mesmo destino, mas sofrem e fazem sofrer, tamanha a incoerência entre o que se quer viver e o que se vive todo dia.
Existem muitas formas e tipos de violência, desigualdade e crimes contra a mulher. Tenho visto uma forte onda de violência psicológica contra a honra das mulheres jovens e adolescentes, influenciadas por hits musicais que deprecia e desvaloriza a mulher, mas isso é assunto para outro momento. 
Por hora quero deixar minha reflexão para filhos, filhas e esposos. Como funciona na sua casa? Existe ajuda mútua, divisão de tarefas ou alguém está sobrecarregado? Como tem passado a mãe e mulher da sua vida? Será que você tem contribuído para a felicidade ou tristeza dela? Será que ela precisa de ajuda? Você tem demonstrado seu reconhecimento e amor por tudo que ela faz por você?
Se falamos em violência, falamos de um relacionamento, ou melhor, de um conflito de relacionamento. Acredito que a fonte de todos os males e crises é o sentimento de não ser amado, considerado, aceito, aprovado e apoiado pelo outro. Às vezes temos dificuldade em expressar e demonstrar na prática que sentimos amor e valorizamos a presença do outro. Às vezes ficamos presos no negativismo. Olhamos e supervalorizamos mais os defeitos do que as qualidades das pessoas que nos rodeiam. Isso pode gerar, ao longo do tempo, o desamor e consequentemente o desprezo, a raiva e até à violência doméstica. É preciso romper, com esse ciclo. Todos somos responsáveis pelo bem-estar uns dos outros.
Cuide, ajude, ame mais, demonstre seu afeto e carinho. 

 

* Ana Paula André Rodrigues é psicóloga clínica. Atende adolescentes, jovens, adultos, casais e terceira idade. CRP 08/23646. E-mail: [email protected]