O dia do pão caseiro

Senhor Tamarindo bateu com o punho na  mesa.  Quantas lembranças teria jogado para baixo do tapete da memória. Julgando-as sem valor.  Esta sensação  lhe veio quando  sua filha, já formada, de repente, lhe falou de como era bom aguardar o dia da semana em que  o senhor que produzia pães caseiros batia palmas no portão. Oferecendo pães de diversos recheios. Goiaba. Leite. Marmelo. O aroma dos pães quentinhos junto com o cheiro do café tomava toda a cozinha, a filha disse tudo isso, com os olhos atravessando a janela e chegando até ao céu azul, bordado de nuvens brancas.

Foi uma lembrança alegre por um lado. Que a infância de sua filha havia sido marcada por um sabor tão caseiro que, mesmo lá nas metrópoles onde ela morava, ainda carregava a visão da grande cesta cheia de pães e de aromas tão quentinhos para acompanhar com um copo de café com leite.

Por outro lado, Sr. Tamarindo ficou ensimesmado, macambúzio. De que forma ele mesmo havia se esquecido dos famosos pães caseiros?  Teria julgado que não haveria valor no alimento tão carinhosamente produzido? Pior, não teria prestado atenção na alegria das crianças da casa em momentos tão saudáveis?

Tirou um cisco dos olhos, enquanto revia, na página da memória, a chegada do padeiro. A bicicleta-de-entrega-azul do senhorzinho de boné e guarda-pó. Brancos. Impolutos. Bastavam as palmas e a casa se enchia de passos e sorrisos. Fogão aceso. Cadernos de tarefa guardados por um tempinho. O pão caseiro enchia a mesa e, junto, o leito achocolatado,  convidava a todos para o gostoso  mundo da tarde.

Tentando disfarçar as lágrimas que brotavam, Sr Tamarindo, apagou as luzes da sala e  atirou-se ao sofá. Relembrando as cenas, adormeceu. Adormeceu e sonhou. Sonhou com sítios e chácaras. Sua mãe, Dona Rita, e outras mulheres  preparando grandes fornadas de pão. Os pais preparando a lenha. Os moleques esquentando os fornos. As moças organizando as toalhas.

Doces  horas de espera. Até os pães ficarem corados.  Colhidos do forno.   A manteiga derretia-se nas fatias quentes. E o vaporzinho do café subindo do fogão à lenha fazia todos ficarem juntinhos compartilhando aquele bembonzinho-da-tarde.

Ao despertar, o gostoso sonho foi se evaporando.  Ao levantar-se,  Sr Tamarindo reviu, na parede da sala, as fotografias de sua mãe. Para ele a maior fazedora de pães e doces, mas que ele, insensível, nunca havia  revelado a ela, sua mãe,  como era gostoso o dia dos pães caseiros.

Para pagar as suas dívidas com a memória, Sr. Tamarindo saiu em busca do senhorzinho que fabricava os pães na época de sua filha. Será que ele ainda se dedica a esta tarefa? Ia pensando. Enquanto procurava. Verdade. O homem já tinha se aposentado, mas, ao ler a mensagem que os olhos molhados do Sr. Tamarindo traziam, não teve dúvida,  marcou. Comprometeu-se.   No o dia em que a filha do Sr Tamarindo chegasse que ele iria fazer  e fez. Uma surpresa.  Uma visita, todo uniformizado, com a bicicleta azul e a cesta cheia de pães caseiros.  Com todos os recheios. Principalmente o recheio da saudade.

Enquanto via os olhos da filha brincando de passar manteiga no pão, Sr Tamarindo foi assaltado por uma ideia. Rever as lembranças do passado e vê-las todas de forma alegre, feliz. Foi sua tarefa por muito tempo. Refazendo a história de sua casa. De sua vida. De sua família. Como quem desmancha um bordado e o refaz novo, vibrante, cheio de vida.