A queda do último avião de passageiros em Mandaguari

Aglomeração em frente à casa do Sr Aquiles. Agitação como ondas do mar. Olhos ansiosos na direção da esquina. Vozes, discussões, palpites. Até um palavrão voou.

Seo Aquiles sendo aguardado. Alfaiate de primeira linha. Linha dura com seu filho Zeferino. Exigia do menino horas e horas de estudos. Sentado na varanda dos fundos. Quintal imenso, como todas casas antigas tinham.

Lá, Zeferino comia páginas de livros. Devorava pontas de lápis. Para se distrair, olhava as moitas de bananeiras, laranjeiras e ramas de abóbora do imenso quintal.

Tal pai não dava ponto sem nó. Ficava satisfeito com o desempenho do filho porque podia usá-lo como exemplo em suas conversas no Bar Guairacá quando o assunto caía na questão da educação das crianças. Ou, então, para se tornar respeitado nas ruas do bairro, visando aumentar sua freguesia ou ser bem tratado nas vendas e quitandas da vila.

Era por este homem que a multidão se acotovelava. Esperava. Cada um mais curioso que o outro para saber a decisão que ele ia tomar, um pai tão exemplar, diante da grave falha que seu filho cometera.

Para descosturar a rigidez educacional paterna, Zeferino se tornou um exímio criador de planos estratégicos. Por exemplo, para poder jogar futebol com a molecada, ele tinha que ficar de olho na posição do sol. Conhecia o horário em que seu pai saía da Alfaiataria e vinha percorrendo os bares, assim, sabia pela trajetória do astro rei o minuto exato de sair correndo para casa depois de aproveitar o máximo do jogo de futebol com os amigos.

Por estas ações, a molecada do bairro admirava cada vez mais o Zeferino. A gente pensava. Além de ser um excelente aluno, ele sabe de tudo. Ele era nossa admiração. Isso fazia muito bem a Zeferino e ele cada vez mais se esforçava para ser admirado por todos no bairro.

Outra coisa que seo Aquiles, preocupado com botões, desconhecia. Que Zeferino, entre as moitas de bananeira do quintal, tinha criado uma rota de fuga que passava pela cerca, caía num terreno baldio, dali, ele ganhava o mundo. Sem deixar rastro pelo portão da frente.

Então, muitas vezes, Seo Aquiles estava, atendendo algum cliente e elogiando a educação rígida que ele aplicava no filho, mas, no mesmo instante, Zeferino após sair furtivamente pelo túnel da salvação podia desfrutar de alguns momentos de liberdade. Empinar pipa. Treinar bater penaltes no campo do morrinho, atrás da escola. Ou ficar lendo os bilhetes que trocava com as colegas do grupo escolar.

Esta vida dupla de Zeferino sofreu um abalo quando chegou na rua o Ataliba, filho de um dos mecânicos do Hangar do Aeroporto da cidade. Este Ataliba vinha com assuntos novos sobre avião que roubavam um tanto da atenção e da admiração que todos davam a Zeferino.

Por isso, Zeferino percebeu que teria de buscar conhecimentos aeroplanísticos se quisesse recuperar sua fama. Assim, numa quarta-feria, após o pai sair para as tarefas da alfaiataria, ele enveredou-se pelo túnel da salvação, pulou cercas, cortou caminhos, passando pela Ferroviária, correndo atingiu a Pedreira e continuando em sua desvairada corrida chegou ao Aeroporto. Sabia que naquele dia, um avião DC Douglas da Vasp iria decolar com destino a São Paulo.

Era a grande oportunidade de conhecer o avião e passar a perna no Ataliba, seu recém adversário. O que ele não contava era que o avião DC Douglas ao tentar decolar não conseguiu seu objetivo e acabou caindo no barro, atravessando a estrada e atropelando a carroça de um padeiro que ali passava na hora.
Aí Zeferino percebeu. Tinha sido a principal testemunha do acidente. Só ele seria capaz de contar como tinha acontecido. Isto ia nocautear seu rival Ataliba. Ia recuperar a admiração de todos do bairro. Por isso, permaneceu na cena do acidente, na esperança de juntar mais conhecimentos e informações. O que ele não contava era que o Sr Akmitisu, fotógrafo histórico da cidade, que chegara imediatamente para registrar o fato, em quase todas as fotos tiradas tinha flagrado quem? O próprio Zeferino.

Todos se espantaram. O menino estudioso. Dedicado. Lá para os lados do Aeroporto no horário de aulas. O que estaria fazendo? O diretor da escola se enfureceu. A vizinhança se estarreceu.

Senhor Aquiles, o alfaiate linha dura, seria capaz até de surrar o menino seu filho. Todos estavam esperando atitudes severas por parte do pai. Seo Aquiles tomou conhecimento da participação do filho em um fato tao longe de casa. Estava ainda no Bar do Seu Aurélio. Antes de chegar em casa tinha muito tempo para pensar em que fazer. Repassou vários castigos em sua mente. Surras, castigos, broncas.

Repetia mentalmente o que ia fazer. Ao chegar ao Curvão, teve um estalo. Se ele castigasse o filho iria botar agua abaixo toda a fama de bom educador de filho. Sentiu que poderia perder o prestígio. Como iria se impor nas discussões nos bares, farmácias e balcões de vendas?

Quando apontou na rua, em frente da sua casa, a multidão já se acotovelava. Uns para evitarem o pior para Zeferino. Outros para satisfazerem seus intintos sádicos. Queriam ouvir os gritos do moleque apanhando.

Conforme o alfaiate ia se aproximando, o murmurinho só crescia. Uns davam cotoveladas no vizinho. Outros estendiam o beiço. Alguns punham a mão no ouvido, em forma de concha, na fé de captar todos os sons.

Seo Aquiles percebeu tudo isso. Era rato de navio. Chegou ao portão, peitoral erguido de orgulho. O filho lá dentro escondido embaixo da cama. O alfaiate subiu no tronco do portão e disse: Viram como uma educação severa é importante para a formação de um jovem. Hoje, senti muito orgulho de meu fiho. Em busca de conhecimento, talvez ele seja a única testemunha deste trágico acontecimento que marcará para sempre a história de nossa cidade.

Até hoje, muitos que estavam naquela multidão ainda admiram Seo Aquiles e seu filho.